Sophia

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in "RELÂMPAGO" Nº 9 (Out. de 2001), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

Quem me roubou o tempo que era um
quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia

Saudades

Cheguei à conclusão de que não é só do Natal que eu vivi com os meus pais e com os meus irmãos e das coisas que tínhamos nessa altura, que eu tenho saudades, mas da pessoa que eu era então.

Mais um Natal!

Saudades imensas da noite de Natal na quinta dos meus pais (a nossa casa). Mesmo que quisesse seguir o que eles faziam, as muitas ausências fazem com que a imensa saudade ocupe todo o espaço destinado à alegria.
O cheiro das filhoses a fritar, do açúcar queimado no leite creme, a lareira acesa, o presépio, os meus irmãos e primos, eram motivos suficientes para a magia acontecer.
A verdade é que os meus pais também sofriam com a ausência de entes queridos e mesmo assim, a sua preocupação é que nós vivêssemos aquela noite de forma inesquecível. Agora, talvez me caiba a mim ter imaginação e força de vontade suficientes para fazer a magia acontecer de maneira a ficar para sempre na memória dos meus netos. Este ano quero compensá-los da falta de força que tive o ano passado, não só por eles, mas pela memória dos meus pais.

Somos o povo

Dizem constantemente que temos de baixar "não sabemos o quê" para pagarmos "não sabemos a quem" uma dívida que não sabemos quem a fez, já que sempre vivemos com tão pouco e só do nosso trabalho. Apenas sabemos que temos de trabalhar muito e continuar a ter pouco.A grande maioria do povo português não entende nada de finança, ninguém nos explica e tb nada nos perguntam. Não imaginamos tantos milhões de que eles falam, não sonhamos com as negociatas que enriquecem alguns de um dia para o outro e vemo-nos a ter que pagar o que eles dizem que devemos... É a sina de quem mal sabe ler, de quem não quer saber de eleições e de quem acha que quem tem algum dinheiro é honesto e sábio, por isso merece o nosso respeito.

Serra da Gardunha

Na Primavera, a minha terra enche-se do colorido das flores e do doce das cerejas e dos morangos. No Verão são os pêssegos, as maçãs, as pêras que se atrevem a competir com o mel das abelhas. No Outono são as uvas brancas, vermelhas ou rosadas, as melancias e as romãs. No Inverno, é o açúcar com que a Natureza polvilha os campos, dando-lhe aspecto de bolo de noiva.
Doce, doce é a minha terra.

Seres sem alma!

Vivemos tempos de indiferença.
Julgamo-nos sábios, superiores e eternos.
Não respeitamos a Natureza,
não valorizamos a Vida,
não protegemos os idosos e as crianças,
somos cada vez mais ignorantes,
mais insensíveis,
mais egoístas
e mais dependentes do consumismo.
Não aprendemos com as plantas, os animais, os mais velhos, os mais pequenos e os mais simples.
Não aceitamos medir-nos pelo Universo.
Estamos a perder a alma.

Moments of Glory

DAVID MOURÃO-FERREIRA

in ANTOLOGIA PESSOAL DA POESIA PORTUGUESA de EUGÉNIO DE ANDRADE (Campo das Letras, 2002)

NOCTURNO

Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...

Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.

Era no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy....
Era, na jarra, de repente, um lirio!
Era a certeza de ficar sem ti.

Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança...

Prisões em Portugal

Nunca

Como pesa o silêncio!
Acumula-se a certeza e alonga-se a ausência.
Diluem-se as formas, os sons, os gestos
Não se preenchem os vazios
Nunca volta a existência.

Fernando Pessoa

"Quero ser o teu amor amigo. Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amor amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias..."

Ilusão

O Outono pensou, que podia ser Primavera.
A Lua Cheia sonhou ser chamada de Sol.
As Nuvens quiseram substituir as Estrelas.
Mas o Inverno chegou,
a Lua minguou
e a Chuva caiu.

O recado que me trouxe a Lua

A Lua quis segredar-me alguma coisa ao ouvido.

Eu não percebi. Pensei que estava a fantasiar, pois como era possivel a Lua, tão importante naquele céu imenso e estrelado, lembrar-se de mim e querer dar-me um recado. Recado de quem? Talvez um aviso, mas de quê?

Entretanto as nuvens começaram a cercá-la e mesmo assim, ela fitava-me por uma pequena fresta, que o rendilhado branco deixara, como se quisesse saber se eu percebera.

A Lua já dera tantas voltas que estava tonta, ou então era eu que exagerava no meu querer.

Depois de a ter olhado com o mesmo carinho e admiração das outras noites, ela foi andando no seu percurso directo ao mar e a outro continente.

Eu, um grão de poeira na imensidão do Universo, logo seria escolhida para ter a Lua como carteiro.

O meu coração, apesar disso, ficou sereno.

A imaginação é uma colcha de retalhos da realidade.

As palavras da alma

Só conheço o teu olhar.
Triste e indiferente, perdido nos pensamentos que teimam em voltar, sempre que reages e os afastas, tentando mostrar-te interessado no que te cerca.
Olhos negros e profundos que nada mais deixam transparecer que a tua dor.
Cruzam-se com os meus, mas não se iluminam, como se nem me visses, nem sentisses o que te quero dizer.
Olho pela janela e na rua a vida decorre igual, indiferente à minha solidão e aos teus pensamentos, que gostaria de afugentar.
De novo te fito e espero com um sorriso. Devolves-me o sorriso mais dorido que já conheci.
Sento-me a teu lado e recosto a cabeça no teu ombro. Procuras a minha mão e ficamos calados como se o silêncio nos mostrasse uma solução.
Passas a mão no meu cabelo, sem olhar para mim, como quem diz: Sei que estás aí, que estás comigo e eu também te quero muito. Mas o silêncio perdura.
Eu fecho os olhos e imagino-te com o rosto irradiando alegria, vindo ao meu encontro de braços abertos. Dás-me um abraço apertado e rodas-me no ar, enquanto eu rio, inclinando a cabeça para trás, pela força do rodopiar.
Como se adivinhasses onde pairava a minha fantasia acariciaste a minha mão com um doce gesto do dedo polegar. O teu afago foi leve e passageiro.
Fechaste os olhos também e fez-se noite escura naquele momento, para mim.
Fiquei quieta, respiração suave como se não existisse e o meu coração serenou com o calor da tua mão que continuava a segurar a minha.

As Cores do Sonho

Como oleiro, eu tentei
modelar o mundo com os meus sonhos.
Eu, árvore com ramagens de cores avermelhadas
no outono, caindo na terra fria desmaiadas
Tu, pinheiro altivo, sempre verde, rasgando o céu ,
sem temer ventos em rajadas, ou o peso da neve silenciosa.
Depois, para mim uma flor, talvez o jasmim, o lírio ou a rosa
e para ti, rosmaninho do campo ou alecrim perfumado.
Moldaria uma ave, eu, o pintassilgo talvez
frágil, modesto, mas livre viajante, sempre
entre nuvens ou por mornas correntes levado.
Pintaria com a cor do entardecer
os teus braços onde ele iria adormecer.
O céu de azul claro, suave como um sorriso,
nuvens como véus de noiva, em bailado,
por do sol em matiz alaranjado, cor de fogo como o nosso sentir
De negro, a noite, para contar as estrelas, de mãos dadas
Rosado o horizonte ao amanhecer, com risadas
Modelaria o mar, que pintaria com a cor dos meus olhos
E tu, o barco, que viria nele ancorar.

Mª Suzete 28.08.2011


Goethe

HISTÓRIA DE UM POEMA COM FOLHAS DE ÁRVORE-AVENCA

No dia 15 de Setembro de 1815, o poeta alemão Johann Wolfgand von Goethe escreveu um poema para a sua namorada Marianne von Willemer. Inspirou-se numa Árvore-Avenca (Gingko biloba) que viu no jardim do castelo de Heidelberg. No dia 23, encontrou-se com Marianne pela última vez e mostrou-lhe a árvore. No dia 27, enviou-lhe o manuscrito, ao qual juntou... duas folhas dessa árvore.
A árvore tem muitas outras particularidades. É uma das plantas medicinais mais utilizadas e foi a única a resistir aos bombadeamento atómico de Hiroshima. Mas a razão da escolha de Goethe é a forma bifurcada das folhas ('biloba', dois lóbulos), ideal para ilustrar o tema do poeta: a unidade/dualidade.
O poema foi magistralmente traduzido por JOÃO BARRENTO.
O manuscrito original, com as duas folhas coladas pelo próprio Goethe, está no Goethe Museum de Dusseldorf. É a imagem que reproduzimos hoje.


JOHANN WOLFGANG VON GOETHE, in DIVÃ OCIDENTAL-ORIENTAL (1819), in OBRAS ESCOLHIDAS DE GOETHE, vol. VIII POESIA, trad. de JOÃO BARRENTO (Círculo de Leitores, 1992)



GINGKO BILOBA

Esta folha, que o Oriente
Ao meu jardim confiou,
Dá a provar o secreto
Saber que o sábio formou.

É um ser vivo que em si
Mesmo em dois se dividiu?
Ou são dois que se elegeram
E o mundo neles um viu?

Dessas perguntas que fazes
O sentido certo te dou:
Não sentes nos cantos meus
Como eu uno e duplo sou?


(15-9-1815)

*
Fotografia: manuscrito do poema original de Goethe (Goethe Museum, Düsseldorf)

*
Nota: Esta é a árvore que tenho no meu pequeno jardim e que adoro.

FLORBELA ESPANCA

OS VERSOS QUE TE FIZ

Deixa dizer-te os lindos versos raros
...Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludo caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não te digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz.

canteiro de sentimentos

Queria dar-te uma flor
porque me deste este dia!
Pensei até que o faria…
Amor perfeito seria
mas real, sem fantasia
como este mundo – ou maior

Rosa, papoila, jasmim
leira de raso canteiro
pera, amora, pessegueiro
horta, quinta, o mundo inteiro...
Mas tudo vi passageiro
matéria simples enfim

Então do fundo de mim
onde juntos tanto vamos
encontrei o que plantamos:
Da semente que cuidamos
nascem os sons que calamos
cantando o nosso jardim



Feliz aniversário

Oferecer uma flor




Todos se admiraram de eu dizer que há muitos anos, não recebo flores de um homem, aliás, que não recebo flores. Tantas flores dão a quem morre, que já não pode aproveitar da sua beleza e da gentileza de quem lhas oferece e quando estamos vivos, tão pouco ligam a actos como esse, tão simples e tão bonitos, que enchem de alegria quem as recebe.

E somo mais um ano

Sonhei. Sonhei e a vida prometia nos meus sonhos, que eu conseguiria realizar todos os projectos, desde que me esforçasse. "Querer é poder".
Mas os anos vão passando e por mais que eu queira, a vida não tem cumprido o que prometeu.
A uma ilusão segue-se a desilusão. A um esforço, segue-se o cansaço e a desistência. A um desejo, segue-se a solidão.
E eu, ingenuamente, vou insistindo, na esperança de ser capaz.

Falar

Para não me sentir tão isolada, comecei a falar sozinha.
O que isto tem de bom, é que ninguém me contraria!

Jantar fora

Hoje decidi ir jantar fora.

Já levei a mesa e a cadeira para o terraço.

Amor perfeito



Amores perfeitos nascidos no muro de granito.

A Natureza mostra, que mesmo na pedra mais dura, pode nascer "um amor perfeito".

O gatinho!

O gato da minha vizinha, salta o muro e vem esgravatar na terra dos meus vasos de flores. Quando vou dizer-lhe que aquilo se faz no caixote da casa dele, vira-me as costas e deixa a terra no chão para eu limpar.
Acho que este gato foi homem noutra encarnação.

Má conclusão

A nossa vida é feita de duas partes importantes: A do que temos e a do que desejamos ter. Quando conseguimos o que desejamos, deixamos de lhe dar importância. Assim, vivemos para o que não temos!

Marionetas de varas

Jardinagem




As minhas plantas andavam a precisar de cuidados e eu sem vontade de tratar de mim, quanto mais delas.
Sentada ao computador, olhava para o terraço e via chover. Pensava que pelo menos, não necessitavam regadas. E a chover, não podia ir para o terraço.
Passavam os dias e eu a trocar o jardim pelo sofá.
Um dia de sol, notei como estavam folhas no chão, outras faltando-lhes bocados, amareladas, com manchas pretas e justificava com a chuva e o vento, na minha falta de coragem de pôr mãos à obra.
Elas chamavam por mim e eu não queria ouvir.
A certa altura resolvi dar uma saída ao terraço, para varrer as folhas. Sentia que no mínimo , deveria mantê-lo limpo, embora a vontade fosse pouca.
Lesmas e caracóis abundavam nos vasos, passeando de uns para os outros num perfeito descaramento, roendo rebentos, folhas, raízes, ali na minha cara, sem a menor cerimónia.
Fui buscar os tais grãos azuis, os que o funcionário da loja me recomendou e espalhei pelos vasos. Lavei o chão com a mangueira na maior pressão e enchi um saco de folhas velhas e alguns troncos, que acabei por podar.
Com a consciência mais leve, voltei para o escritório, fixando-me nos livros, no computador, nos filmes e olhando o terraço, como costume.
Veio o calor e as plantas começaram a crescer, a dar flor as buganvilias, as roseiras, os malmequeres amarelos, os chorões, as trepadeiras, numa festa de colorido.
Num olhar mais atento, um dia destes, achei que estavam com sede, mas havia nuvens no céu e entreguei essa tarefa a S. Pedro.
Como estava doente, já havia duas semanas, qualquer simples tarefa me parecia exigir o esforço de subir a Serra da Estrela a pé.
O Senhor S. Pedro não teve consideração pelas minhas poucas forças e não regou nada.
As folhas das plantas pareciam de pano, tão descaídas e moles, os botões começaram a cair antes de desabrocharem e eu lá resolvi ir buscar a mangueira e regar as tristes sedentas, já quase moribundas. A saúde delas era como a minha.
Nos vasos jaziam sem vida dezenas de caracóis, que escondidos na terra fresca, tinham vindo dar o último suspiro à luz do sol.
Depois de removidos, assim como as ervas daninhas, que com a chuva e o calor se desenvolveram sem medo de nada, notei que havia dezenas de insectos a sugar a seiva das minhas plantas.
Seria possível? Tão cobiçadas eram por todos os habitantes da Terra?
Desanimei e voltei para casa. Pode ser que morram afogados na chuva que o boletim meteorológico anunciava.
As minhas plantas viram-me voltar costas ao seu flagelo e desanimaram comigo.
A minha consciência sussurrava. Que doença é essa que te dá para leres, escreveres e te esqueces da Natureza que está a sofrer? Eu mandava-a calar. As plantas eram minhas, eu é que sabia! Ela, incomformada, desatou aos gritos.
Ontem, finalmente, para calar a consciência, entusiasmada também com os passarinhos que faziam ninho no meu jardim, as rosas que brotavam lindas, mesmo entre a velhas que deveriam ter sido podadas, as flores das tepadeiras que escondiam as folhas de tão exuberantes, lá fui tratar delas.
Podei as velhas, mondei as ervas, deitei em cada vaso uma boa quantidade de estrume de cavalo e reguei tudo com fartura. Por fim, fiz a calda de fungicida e insecticida, aliviando-as das pragas que lhes sugavam a seiva e as deixavam como renda.
Quando voltei para casa, era já quase noite.

A dor de cabeça passara, o corpo e a alma estavam mais leves e até me pareceram mais brilhantes as cores diversas das flores.
Hoje vou tirar fotografias e guardá-las junto das que tirei, iguais, todos os 7 anos atrás.
Enfim, sempre haverá alguma diferença...







Pablo Neruda

José Bernardes

Tiveste saudades minhas?

Quanto de mim se dissolve na areia
esperando ser lavado pelas marés dos teus braços
Na vaga de cada aurora em que não vens
...põe-se um ocaso em cada um dos meus membros
e assim me deixo de bruços
ser engolido pelo mar tão imenso
como a saudade de ti

José Bernardes

The lion sleeps tonight

Fenecem meus sonhos

Fenecem meus sonhos
de tanto esperar.
Minha alma desiludida,
acredita, acredita.
E os mesmos sonhos de menina
renascem
como as flores na Primavera.
Eu olho à minha volta
tantos caminhos andados
tantos desejos anulados
tanta tristeza vivida.
Amanhã será
como a lua em suas fases
o sol nas estações
as rosas podadas
a chuva, o vento
as ondas do mar.
E neste nascer e morrer
minha alma desiludida
acredita, acredita.


Mª Suzete

Um suspiro na noite.



Deixa-me sentar a teu lado, quieta, em silêncio e ouvir-te apenas respirar.
Deixa-me encostar no teu peito e sentir o bater do teu coração.
Dá-me a tua mão para que possa entrelaçar os meus dedos nos teus e amparar na tua força, a minha fraqueza.
Cerca o meu corpo com o teu, sê árvore, nuvem, pedra e espuma.
A vida lá fora marcha em parada militar, fenece em fogueira de raivas e ódios, desfalece de lutas vãs, amanhece cansada de ilusões e ri-se de ingénuas esperanças.
Uma música ao longe embala o meu sonho e eu deito no teu colo toda a luz que o luar não quer.
Fica assim, no escuro, adivinha apenas como me deleito com a tua existência e deixa que te considere meu, que te mostre as minhas lágrimas, os meus suspiros, os meus temores.
Abraça-me e mesmo que amanhã voltes a partir, respira comigo a quietude da madrugada.
Suporta no teu peito o peso do meu cansaço, do meu desamparo, dos momentos tão tristes que a lua apaga, dos gritos sem som, dos gestos de estátua, dos projectos desfeitos, dos desejos adiados.
Fica comigo esta noite. Para ti é uma noite... para mim, a vida.
Se ficares, faz-me acreditar por uma vez, que és só meu.
O vento a cantarolar nas ramadas do jardim, é o suspiro que o meu peito solta nesta ilusão.
Fica comigo e que eu deixe de respirar.


Mª Suzete

A Mãe Natureza

A Mãe Natureza tem-se esforçado por me consolar.
Um casal de pintassilgos aproveitou o fio que coloquei para amparar uma roseira de trepar, ainda frágil e sem capacidade de se manter sozinha na coluna da varanda, para aí fazer o seu ninho e chocar os ovinhos.
Os filhotes nasceram e juntos partiram.
Não precisam mais que umas ramadas de árvores para descansar, depois de voar no céu azul, sem apego a bens, sem invejas, nem ambições.
O ninho começa a desfazer-se, para pena minha.

Infinito




Sentávamo-nos à beira mar,
Olhando o céu estrelado,
As constelações.
O sonho era dourado.
O teu, foi navegar,
Voar.
Eu fiquei à espera,
Olhando o quebrar das ondas,
o rendado da espuma,
o seu constante renovar.
A tua cadeira,
levou-a o mar
para oriente,
para longe.
Eu, guardei em silêncio
o brilho das estrelas,
o cheiro da maresia,
o sussuro do mar,
a insistência em beijar a areia fina.

Mª Suzete

Lutar contra a dor

Tenho tido muita vontade de vir aqui e escrever sobre o que sinto.

A verdade é que ao reler os últimos textos, a dor é tão grande, mas tão grande, que me perco nas lágrimas e nas saudades.

Tenho que lutar contra esses sentimentos, dizem-me os amigos.

Já tentei sorrir às brincadeiras das colegas de trabalho, fazer coisas diferentes do habitual para me motivar, trabalhar nas tarefas da casa, duramente, até me doerem as unhas dos pés e ter as mãos inchadas, sair e passear no centro comercial, nas ruas, no campo, mas a dor vai sempre comigo, como a minha sombra, enfraquecendo qualquer prazer que possa ter.

Será que terei de lutar com espadas, com bastões, com flechas, com pedras, com murros, com fome, com sede?

Ou conseguirei vencê-la com isolamento, com silêncio, com gritos, com gemidos ou apenas com fingir a mim mesma que estou bem?


Ensinem-me como se faz, por favor.



Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinícius de Moraes

A poetisa fala por mim...

"Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.

Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa-
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.

E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência."

Sophia de Mello Breyner Andresen

Dor

"Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem."

Sophia de Mello Breyner Andresen

Flores

Com minha mãe também aprendi a amar as flores.
A amar flores pequenas, simples, mas de cores vivas e formas variadas, em mantos pintados no campo ou em ramos mais elaborados de corolas sofisticadas em feitio de taça, de pássaro, de campainha ou de concha em madrepérola, que ela amava e cuidava como ninguém.
Com uma simples rosa, uma camélia dobrada, uma orquídea ou um malmequer azul do meu quintal, ela ficava feliz, querendo mostrar a preciosidade que a filha lhe levara à Irmã Teresa, à Amélia, à tia Fernanda, a quem quer que a visitasse.
Tantas, tantas flores, tão belas, em sua homenagem!
Se as pudesse ver...

Silêncio

Silêncio no quarto onde a minha mãe dormia.
Tristeza ver a cama desfeita e as suas coisas à mercê da vontade dos outros.
Uma dor profunda instala-se no meu peito e a saudade começa a espreitar.
Toda a minha vida passa num filme em câmara lenta, vendo-a receber-me com um sorriso, a cada regresso, a cada reencontro.
O silêncio,a sua ausência,a certeza do definitivo,fez-me olhar o céu e desejar que ela lá estivesse, de mão dada com o meu pai (como sempre andavam)e nos pudesse ver, aos seus filhos, netos e bisnetos, apesar de tão tristes com a sua partida.

Dar tempo... à dor

A dor foi tão forte, tão profunda, tão imensa, que me secou por dentro.
Quero dar tempo, dar tempo à dor, para amainar e poder reconstruir sobre os destroços alguma coisa mais que não seja apenas um lamento constante.
Quem me dera que dentre os destroços surja uma pequena raiz que dê caule, folhas, flores e frutos, de novo.

Luísa Dacosta

Naufrágio

No fundo do mar,
perdidos,
estão os sonhos,
dia a dia, inutilmente dobados.
Carne de medusa,
lacerada pelos corais,
oculta entre as algas,
quem poderá sabê-los?
ou encontrá-los?

Miau

Faltava ainda o 5º elemento da família, o Miau.
Num dia em que assistia a filmagens no exterior, o Jorge encontrou um pequeno gato recém-nascido, ossos a furar a pele e muito doente. Certamente fora abandonado e resistira para ser salvo pelo maior coração do mundo.
Levado ao veterinário, ficou a soro e veio para casa com olhos mortiços e andar trémulo.
Quando a minha neta lhe perguntava o nome, ele respondia com miados doridos.
Miau. Ficou Miau.
É hoje este lindo gato preto, de olhos verdes e porte altivo.

Recontar

Desapareceu o contador deste blog.
Desapareceu há uns meses e tinha mais de 15.000 visitas.
Como na vida, de vez em quando é preciso recomeçar. E aqui vou recomeçar do zero.
Quero saber se o que escrevo chega a alguém.

Ano Novo

"Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas."

(Cecília Meireles)