Chuva

Emigrantes

Há alguns anos atrás, por esta altura, já a Beira estava cheia de carros com matrículas de França, da Alemanha, da Suíça e do Luxemburgo, principalmente.
No mercado, logo pela manhã, esgotavam-se todos os produtos frescos, pedidos em português misturado com palavras estrangeiras já bem conhecidas doutros Verões.
A roupa que a mulher da Beira vestia, raramente fugia ao tom escuro, negro a maioria das vezes, mas nesta altura tudo mudava. As ruas enchiam-se de cores claras, garridas e brilhantes, os tecidos eram também mais leves, de fibras quase transparentes e sem necessidade de serem passadas a ferro.
As lojas estavam sempre apinhadas na manhã de sábado, quando vinham comprar os alimentos para o fim de semana e aproveitavam para procurar as roupas de cerimónia, que vestiriam nos casamentos marcados para o mês em que a família estaria toda reunida.
Com frequência se viam carregar cerveja em grades, mostrando uma abundância que não era comum nestas terras de gente sem recursos.
Todos os fins de semana havia cortejos com fanfarra de buzinas e fitas de tule nas antenas dos carros, anunciando que mais uns noivos tinham sido abençoados.
Tudo era uma mostra daquilo que o trabalho no estrangeiro podia dar, valendo a troca de muitas saudades, por bons salários.
Era um cenário já habitual. Nós desdenhávamos, chamando-lhes franciús.
Hoje, sábado, a Beira está vazia e o comércio fechado por não valer a pena abrir as portas.
Nas ruas não se vê uma única matrícula estrangeira e o pouco movimento que se vê, é rotina de todo o ano.
Em vez de franciú, fala-se nas fábricas que fecharam, nas lojas em liquidação total, no desemprego e nas prestações em atraso.
Não se fala em viagens, na ida para as praias para escapar ao Verão tão agreste do interior, na compra de móveis e electrodomésticos, como era usual nesta época.
Vejo muita gente a viver com necessidades e a resolver problemas cada vez maiores.
No centro comercial ao lado da minha casa só a pastelaria está aberta e a única pessoa que vi, foi a empregada, que atrás do balcão, mostra ar de enfado.
Olho os preços das montras reduzidos a 50% e a 70%...
A loja dos queijos da Serra já não tem filas à porta e as prateleiras da perfumaria mostram uma pobreza de stock embaraçosa.
Talvez esteja enganada... As pessoas têm boas casas com piscina, vão aos supermercados fora de portas e estarão no Algarve.
Talvez eu esteja enganada, mas sinto falta de vida, neste Verão.
Sinto que o interior de Portugal está triste.