Rir é o remédio

Contar ou descontar anos.

Tinha jurado que não voltaria a fazer anos!
Mas todos os meses de Junho se festeja o S. João e há quem se lembre que nasci na véspera deste Santo Popular.
As minhas amigas mais novas, dão-me os parabéns com um grande sorriso.
Agradeço as felicitações, claro, mas lembro-as que a doença de que sofro e me provoca rugas, pneus e achaques, é contagiosa e já pandemia sem vacina à vista...
Decidi este ano que não vou continuar a somar aniversários. A partir de agora, um ano será somado, outro ano, subtraído.
Para sabermos chegado o nosso fim, não era preciso ficarmos doentes, perdermos os dentes, ver enfraquecidos os cabelos, não termos forças para nos levantarmos do sofá ou sair do banco detrás do carro dos filhos, esquecermo-nos de tudo o que não poderíamos esquecer (onde arrecadámos as chaves de casa, por exemplo), enfim... essas coisas que começam a acontecer comigo e eu achava que só acontecia aos outros.
Bastava amadurecermos e morrermos, sem fragilidades e incapacidades.
Ainda por cima, o nosso corpo anda mais depressa para o fim, do que a nossa mente, o que é uma tortura.
Achamos sempre que os outros nos vêem como nós nos sentimos e não como nós já parecemos.
Mas pronto! Eu que tenho força de vontade para dar e vender (só me falta para fazer regime) não vou permitir que continue a incomodar-me estar a envelhecer no corpo, numa proporção diferente do espírito. Acabou.
Olham para mim e acham que não sou capaz de tomar decisões, de ir dançar uma noite inteira, de me apaixonar, de andar de mãos dadas e rir de coisas fúteis, de apreciar um homem com charme... qual quê? As rugas que tenho nos cantos dos olhos, não me tapam os mesmos!
Não danço hip-hop, porque me dá mais prazer dividir os passos com um par que me aconchegue. Não me apaixono com tanta frequência, porque não encontro homens que me despertem admiração e me surpreendam.
Estou mais exigente, embora ouça com frequência que as mulheres da minha idade já se contentam com qualquer coisa! Puro desconhecimento de que os anos nos tornam especialistas e não amadores.
O meu coração continua a bater e os meus sonhos tomam forma todos os dias!
Se de vez em quando me deixo dormir no sofá, é porque os programas de TV são entediantes, medíocres e repetitivos. O mal não está em mim, mas na sua incapacidade para me despertarem interesse.
O meu gosto foi-se refinando com o tempo e agora não é qualquer história de faca e alguidar que me consegue provocar emoção.
Fazer umas plásticas? Se eu visse que elas tornavam as pessoas inteligentes, cultas, sensíveis, responsáveis, conscienciosas, sábias, ia já fazer uma ou duas ou as necessárias e possíveis.
O pior é que as pessoas que não têm os lábios murchos, o pescoço engelhado e a cintura grossa, por via de umas quantas intervenções cirúrgicas, não melhoram como seres humanos.
E quando tiverem 80 anos, o seu organismo terá 80 anos, embora os seus lábios de silicone tenham apenas 30, os seus seios cortados, aparados, enrijecidos tenham só 20, a sua pele esfoliada, esfolada e enxertada tenha no máximo 40.
Mas... a bexiga terá 80 anos (ah, pois!), assim como as articulações, as artérias, os olhos e os ouvidos...
Por isso, meus amigos, felicitem-me mas façam só o favor de não me perguntar a idade.
A contagem do tempo foi inventada pelo homem e a divisão em anos, meses, dias e horas, nada tem a ver com a capacidade de criar e de se renovar. Há jovens muito velhos...
Dêem-me os anos que aparento e que eu viva segundo a idade com que me sinto.
O resto, a natureza se encarrega de arrumar no seu devido lugar.
Ela, além de sábia, é justa. Não deixa ninguém para trás.

Uns comem, outros... olham.

"A caminhar assim, cada vez temos menos dinheiro no bolso", diz um agricultor na TV.

Novo Código do Trabalho
Petróleo, gasóleo, gasolina, gaz.
Milhões de barris por dia.
Protestos dos camionistas, dos taxistas, dos pescadores, dos agricultores...
Flexibilização dos horários.
Precaridade do trabalho
Contratos com prazos
Prazos de anos, de meses... horas que se somam, que se descontam.
Bolsa de valores. Cotação.
Despedimentos
Lucros de milhões por hora.
Dólares que valem e que desvalem.

Todos estes palavrões enchem as notícias e os pobres agricultores só sabem que se esforçam até rebentarem e que cada vez ganham menos, cada vez têm menos dinheiro para viver.
Nascem campos de golfe, campos de futebol, campos de ténis, campos de lazer... destinos de sonho para se ocuparem os tempos livres de quem comanda este mundo de palavrões.
Qualquer dia, quem não tem tempos livres, come relva, bolas perdidas e enche os olhos (e o estômago) nas ementas expostas nos restaurantes de luxo.
É como o garoto, que chegou a casa e disse:

-Mãe, pão com queijo é tão bom!
-Como é que sabes, filho? Já comeste?
-Não, mas vi ali um menino a comer.

a luz dos anos




Meia-noite. Apenas um dia mais. E o respeito pelo teu descanso contenta-se em lembrar-me que o dia não é mais que um dia doce.
De onde vem este néctar - será perfume? - não sou capaz de te dizer.
De memórias. De memórias simples. De memórias simplesmente doces.
.
.
.
..
Um dia ensinaste-me a escrever.
Outros ensinaram-me letras, palavras, frases, pontuação... Tu ensinaste-me a escrever.
Talvez não me tenha lembrado disso no dia em que me chamaram escritor.
Como havia de evocar uma memória tão simplesmente doce...?
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.

Um dia encaminhaste-me a ler.
Outros deram-me livros, versos, rimas... Tu encaminhaste-me a ler.
Talvez não me tenha lembrado disso no dia em que me disseram ser poeta.
Que tinha isso a ver com memórias simplesmente doces...?
-
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Um dia deste-me a perceber a melodia.
Outros mostraram-me pautas e claves e colcheias... Tu deste-me a perceber a melodia.
Talvez não me tenha ocorrido quando me graduaram como músico.
Como podiam os tímpanos abrir ao coração memórias tão simplesmente doces...?
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Hoje, à meia-noite, o sol descobriu-me que há sempre um dia em que sabemos que a Vida é afinal a feliz coincidência de memórias simples - tão simples como a constância do sorriso que nos fez correr dos olhos um mar de água doce.
.
Dou-me a mim mesmo os Parabéns: porque um Sol em cada 365 me celebra uma companhia tão luminosamente simples - uma Luz tão simplesmente doce.
.
.
.
Um abraço simples e doce,
do teu mano.

100 anos... 100000 glórias

Qualquer Música

Qualquer música, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!

Qualquer música- guitarra,
Viola, harmónio, realejo...
Um canto que se desgarra...
Um sonho em que nada vejo...

Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida...
Que eu não sinta o coração!


Fernando Pessoa

Aos amigos




Aos meus amigos que felicitam o aniversário do meu irmão, que me enviam palavras carinhosas para a minha neta, que me ajudam tanto com a sua presença e o seu apoio, mil bem-hajam.

I believe I can fly

A Francisca vai de novo à Aula Magna com o coro da sua escola. Telefonou a convidar-me.
Apesar dos seus nove anos, utiliza já uma linguagem adequada, tanto ao convite, como ao tema.
- Avó, gostava muito que fosses assistir à nossa exibição na Aula Magna, no próximo sábado. A Ana é a solista e eu faço parte do coro. Se conseguires vir, vou ficar muito feliz.
Eu agradeci e pedi-lhe que me cantasse um bocadinho ao telefone.
Ela concordou e cantou maravilhosamente o refrão "I believe I can fly", deixando-me com as lágrimas nos olhos.
Está prestes a entrar no liceu (como dizem lá no colégio e como diziam no meu tempo).
Gosta muito de escrever e de desenhar, mas brincar é a sua actividade preferida... não fora isso e quase nos esquecíamos que ainda é uma criança.
Mostra-nos como cantam os anjos, Francisca.
E se eu não puder estar presente fisicamente, estou de certeza em pensamento e com o coração a rebentar de amor e orgulho.

Tó-nô


Parabéns To-nô.
Parabéns pelo teu aniversário. Cada cabelo branco é um pouco mais de sabedoria.
Que seja mais um ano de coisas boas que te encham a vida de alegria.
Parabéns pela contribuição que tens dado ao Fundão com a tua paixão pela música, em especial pela música clássica. Aproveita o Fundão e não só...
Parabéns pela solidariedade para com os que a ti recorrem .
Parabéns pelo espírito de sacrifício e de amor incondicional pela tua família e pelos teus amigos. Continuas a ser a alma, o apoio e a inspiração de todos nós.
Parabéns pelo homem que és, melhorado cada dia que passa com a humildade de quereres aprender e o teu desejo constante de crescer. Os homens bons, não nascem logo grandes.
Só desejamos merecer-te, na medida em que conseguimos aprender com o teu exemplo.

Verde e Rubro

A Bandeira Nacional está por todo o lado.
Nas janelas, expostas como colchas, que engalanavam as ruas na passagem da procissão do santo padroeiro.
Nas varandas, hasteadas como se assinalassem dia especial, em edifício do Estado.
Nos carros, que circulam nas estradas em correria indiferente à paisagem.
No cimo das árvores, nos quintais, como se mostrassem um campo especial de manobras militares.
Lá está a bandeira verde e rubra, que só começou a ser desfraldada desta forma efusiva, por iniciativa de um brasileiro à frente da selecção portuguesa de futebol .
Já a vi com as cores ao contrário, com apenas 3 e 4 quinas, com um desenho esquisito no centro... (os modelos enviados para a China não seriam bem claros, ou os chineses entenderam que a parte central não passava de enfeite sem importância e pintavam-na conforme o gosto de cada um).
Vendem-se aos milhares nos supermercados, enroladas dentro de caixas de papelão. Nas lojas dos 300, em sacos de plástico transparentes, amontoadas junto dos panos da loiça e turcos para fins variados. Na Galinha Gorda, perto dos detergentes e chinelos de plástico.
Há quem a use como lenço a dar um nozinho no pescoço, a dar um nó na alsa da carteira, como forro do apoio de cabeça no assento do carro, como cortina a forrar o vidro traseiro, como catavento na antena do rádio.
Enfim. Pobre símbolo da nossa Nação!
Quando se ouvia o Hino Nacional e se olhava o hastear da Bandeira, sentíamos a obrigação de ter as costas direitas, o rosto sério e o coração patriótico a bater com ritmo acelerado.
Agora, carros com metade pintado de verde e metade encarnado, com as fotos dos jogadores estampadas, tocam o Hino Nacional alto e bom som, entre várias cervejas e saquinhos de tremoços, à porta do Palácio de Belém, enquanto esperam que a Selecção Portuguesa chegue para cumprimentar o Presidente da República e parta para disputar o Campeonato Europeu na Suíça.
E eu, sem perceber nada de futebol, nada de hinos, nada de símbolos da Nação, acho que tudo isto é um tanto exagerado, porque até à chegada ao Fundão, vi a Gardunha vestida de verde, na folhagem das cerejeiras e vermelho, na quantidade imensa de cerejas maduras, que vergavam as suas ramadas.

Então, concluí que a Natureza também é adepta de futebol e torce pela Selecção de Portugal.

Desporto Rei

O povo português festeja as vitórias no futebol com verdadeiro entusiasmo.
Apreciam as casas, os móveis, os carros, as jóias, os hotéis, as mulheres dos jogadores.
Dizem à boca cheia e com verdadeiro orgulho, o que eles ganham por dia, por anúncio publicitário, por golo, por entrevista, por fotografia.
Conhecem o Mister, a família do Mister, os gostos do Mister, a vida do Mister.
Vibram com o campeonato nacional, com o europeu, com o mundial, com a liga, com a taça e com a taça das taças.
Saltam com os cartões amarelos, gritam com os vermelhos e insultam a mãe do árbitro, que é a culpada de todas as desgraças, sempre.
Discutem o canto, o fora de jogo, o penalty e o goooolo.
Votam o bota de ouro, o bola de ouro, o jogador do ano, o melhor jogador do mundo, o maior marcador, o melhor golo.
Compram a camisola do clube, o cachecol da selecção, a bandeira nacional, o cartão de sócio e de apoiante.
Aplaudem as jogadas bonitas, rejubilam com as vitórias, sofrem com as derrotas.
Não sabem a letra do Hino, mas conseguem trautear a música...
Esquecem a crise, o preço do gasóleo, do pão, da carne, do peixe, da roupa, do calçado, das propinas, da dívida da casa e do empréstimo que fizeram no banco. Arranjam paciência para a espera da operação às cataratas ou à vesícula. Não sofrem com o facto de terem feito um curso superior e só conseguirem trabalho de caixa em supermercado. De não poderem fazer férias na praia, cura nas termas, de não poderem comprar o tal CD ou o tal livro.
Até se sentem bem no seu quarto com serventia de cozinha e casa de banho, de só poderem usar o Metro para ir para o trabalho e conseguirem pagar o almoço na tasca da esquina.
A política, os políticos, as leis, os impostos, as taxas, as mensalidades, os juros, a luz, a água, o gaz, deixam de ser o centro das preocupações.
Só interessa o Nani, o João Pinto, o Quaresma, o Ronaldo, o Nuno Gomes, o Miguel Veloso, o Ricardo.
O futebol faz maravilhas. O futebol é um milagre. O futebol é a vida.
Viva o futebol!





(A Lili disse-me que o João Pinto já foi... pelo engano, peço desculpa. A verdade é que ouço falar em Pinto constantemente nas notícias ligadas ao futebol. Este, o João, já era... outros ainda serão, até deixarem de ser, também. Mas está a emenda feita. Obrigada Lili.)

O ouro negro

E se em vez de ser o boicote dos transportadores, fosse o fim do petróleo?
Se os poços secassem, se nada saísse das bombas extractoras, se uns atrás dos outros fechassem os campos de exploração do produto que faz andar o mundo?
Como encararíamos mudar radicalmente a nossa vida?
Como iríamos trabalhar? Parar o nosso carro, sim... mas que transporte poderíamos utilizar?A bicicleta, o cavalo, a carroça, as pernas?
Como se alimentariam os animais? Como se lavrariam as terras? Como se fariam chegar os alimentos aos mercados? Passar a ter horta, galinhas, uma vaca leiteira, árvore de fruta no quintal da casa? Alimentar os animais pelo pastoreio, rasgar a terra com a charrua, retirar a água do poço com o balde ?
Trocar uma cabra por uma mesa e levá-la para casa em carro de bois.
Voltar a usar as velas, a lareira, a forja, a escrita em papiro.
Tecer o algodão, o linho e a lã para fazer os nossos agasalhos... depois de os produzir, claro.
Se acabasse agora o petróleo quando é que estaríamos em condições de fazer outra vez tudo o que necessitamos para assegurar a nossa sobrevivência?
Como viveríamos sem viajar, sem consumir, sem ter a certeza que se chamarmos os bombeiros, a polícia ou a ambulância eles estarão junto de nós em minutos?
E as pessoas que apenas têm 2 assoalhadas para viver, sem quintal, sem terra?
Talvez não víssemos tantos campos abandonados no interior, tantas famílias desunidas, tantos obesos, tantas dietas para manter a linha, tanta ambição e tanta inveja.
Mas é difícil pensar em tudo o que dependemos do petróleo.
(Admiro mais ainda os grandes escritores, os cientistas, os artistas que só podiam criar à luz da vela)
E penso nos alertas constantes que os cientistas fazem há algum tempo, de que os recursos de petróleo se estão a esgotar...

A casa Maia

A lindíssima habitação que se vê na foto, à direita, o palacete dos Maia, propriedade da muito querida Emilinha Maia, foi restaurado e adaptado para turismo de habitação.
Junto do jardim da Câmara Municipal, fica um pouco escondido pelo muito trânsito que passa nesta rua, já que é a via usada por quem sai da auto-estrada e atravessa o Fundão.
A entrada ampla de granito assim como a larga escadaria que conduz ao 1º andar, deixa-nos sem fôlego, de tanta beleza. Toda a decoração é clássica e de bom gosto.
Nele costumava ficar hospedado Eugénio de Andrade sempre que vinha ao Fundão.

Alvorada

Há algum tempo que prefiro as manhãs, as madrugadas nascendo da noite e fazendo adivinhar o sol.
Se o pôr-do-sol é paixão, é grito, música de mil instrumentos, ópera, vestido de cetim, lâmina de espada silvando no ar, a alvorada é água correndo entre pedras polidas, canção de amor trauteada em surdina, chilreio de aves no ninho, xalinho de seda nos ombros nus.
A cada raio de luz que vai tornando mais claro o horizonte, a vida renova-se e o coração aquieta-se.
Se o sol não quisesse aparecer na sua hora marcada, como sala em que a persiana continua cerrada, como receberíamos essa recusa, como caminharíamos na noite que não acabara ?
Cada manhã, dou as boas vindas ao Sol e fico a observar o seu regresso, morno, sem pressa, entre névoa de tule, aquecendo e brilhando em progressão geométrica.

As palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
.
.
Eugénio de Andrade