Solidão

Ter passatempos...
Passar algumas horas na cadeira da varanda a ler um livro e à medida que se avança no enredo, nascer a simpatia por um dos personagens, adivinhar as suas reacções, torcer para que descubra a conspiração ou adivinhe os planos que tecem contra ele e quando a história termina, sentir pena da separação enevitável daqueles que viveram connosco tantas horas desde que se iniciou a sua leitura.
Ou ver um filme na TV, no silêncio da casa, vivendo a cada minuto os planos mais próximos, quase sentindo as dores de quem sofre, deixando cair uma lágrima de comoção, rindo com uma cena atrapalhada, suspirando com as lembranças que se associam a cada minuto da história do herói da tela, em que a música é companhia a propósito e o cenário envolvente.
Estar sentado numa esplanada, olhando o infinito como se não existisse mais nada, mas seguindo atentamente os outros, nos seus gestos mais íntimos, sorrindo com as brincadeiras de um cachorro que punha pela roupa de uma criança ou dos namorados que se beijam esquecidos de tudo ao seu redor.
Ver as fotos da revista de excentricidades, enquanto se saboreia um café amargo e quente, desculpa apenas para sair um pouco e ver gente por minutos...
Tudo passa diante dos olhos como um filme, sem que se entre na cena, se sinta o calor do abraço, se receba o sorriso de quem chega, se faça adeus a quem parte.
Estou farta de assistir à vida sem fazer parte dela, de viver a vida no camarote de espectador.

A Vida Ensina

A vida ensina
a esperar, a esperar,
que tudo se altera, tudo se revela,
que acreditar é o primeiro passo
e questionar, o que se lhe segue.
Que as estrelas lá continuam,
mesmo com espessos véus de nuvens
em céus cinzentos de desespero.

A vida ensina
a saber escutar os silêncios,
ler as mensagens escondidas nos gestos
e suportar o peso das ausências.
A encontrar luz no negro profundo,
tristeza no sorriso mais rasgado
e alegria no sal das lágrimas de cristal.

A vida ensina
a avaliar a riqueza da flor,
como jóia que não sabemos lapidar.
E, apesar da força do vento
no seu uivo aterrador,
a saborear a maciez da brisa morna
em fim de tarde prenhe de estios.

A vida ensina
a saber guardar o calor de um sorriso
para encher navios de solidão
e poder navegar
entre suspiros de espuma
e canções de embalar.
(Ou não basta um sorriso de quem amamos,
para nos encher o coração de sonhos?)

A vida ensina,
que uma só migalha pode matar
a fome a um pintassilgo.
E que se o desdém consegue
destruir com a força do terramoto,
basta um raio de Sol nas planícies dos dias,
para fazer renascer a esperança,
como semente após chuva
adormecida em colchões de terra dourada.

A vida ensina-nos

O relógio do mundo

www.poodwaddle.com/clocks2pw.htm

Quem acreditaria?

Se Jesus Cristo viesse ao Mundo nestes tempos modernos, voltaria a ser crucificado.
Quem é que levaria a sério um homem que pregasse a igualdade e o amor ao próximo, o perdão e a misericórdia, sem o apoio das televisões, sem automóvel com vidros à prova de bala, sem guarda-costas, polícias visiveis e secretas, sem cavalaria da GNR, vestes ricas, refeições delicadas e dezenas de motos com luzes azuis a abrir alas, onde foi proibido o trânsito de almas comuns?
O milagre dos peixes ou do vinho... Luís de Matos arranjaria maneira de fazer melhor!
A opulência, a riqueza, o poder...
(Cá para mim, Jesus Cristo nem precisaria de Pôncio Pilatos!)

O Papa em Portugal

A nossa TV repete incansável a notícia da hora, seja a vinda do Papa a Portugal, o vulcão no norte da Europa, o tremor de terra na Ásia, o capeonato de futebol ou peregrinação a Fátima.
Se alguém temesse passar ao lado de tão grandes acontecimentos, a antecedência e a insistência com que são noticiadas, descansaria de imediato esse temor.
Papa antes do Papa, durante o Papa e ainda durará muito depois do Papa.
Os aviões onde ele viajará e o seu papamóvel, a decoração especial do quarto onde descansará, as cadeiras feitas em madeira especial, por artesão especial, para sentarem os "simsenhores" especiais, o microfone coberto de película de ouro, as ementas especialíssimas das refeições do velho senhor, a honra imensa de o ver, de o ouvir, de receber a Santa Hóstia da sua santa mão.
Queixam-se os pequenos comerciantes que viram o trânsito cortado nas suas ruas desde domingo, os pais que não têm onde deixar os filhos nos dias de feriado, os motoristas que têm de dar voltas enormes para chegar aos destinos.
Polícia, segurança, protocolo.
A despesa é imensa. O país pára.
Tanta pompa e circunstância para receber o homem que deve fazer apologia ao despojamento, à partilha, à pobreza!
No domingo foi o Benfica. Hoje foi o Papa. Depois será Fátima.
O desemprego, a violência, a desilusão, as fraudes e mais, ficam esquecidos perante "momentos tão emocionantes e vivências tão importantes".
A TV insiste e nós resistimos.
(Nota: A vinda do Papa é uma mensagem de esperança, porque se temos tanto para gastar é porque afinal não estamos assim tão mal!!! Ou será "perdidos por cem... perdidos por mil"?)

Universidade Sénior- Fundão

No fim de semana passado, no Fundão, quando atravessei a avenida para ir tomar um café reparador, não só por um pouco de cafeína, mas também por sair de casa e dar dois dedos de conversa com a minha amiga Teresa, fui surpreendida com o som dos tradicionais bombos de Lavacolhos, uma aldeia do Concelho.
Como gosto de tudo o que é tradicional da minha terra, parei logo para os ver.
Os bombos abriam o cortejo dos finalistas da Universidade Sénior.
Ao mostrar pena de não ter ali a minha máquina fotográfica, a Teresa afundou a mão no imenso saco (os sacos das senhoras são como a farmácia... têm de tudo!) e passou-me a sua.
Com o Sol muito forte, a máquina desconhecida, os meus óculos desaparecidos, quando consegui preparar-me, já o cortejo tinha passado. Mesmo assim, entre fotografar o chão, as paredes e outros objectos não identificáveis, ainda registei algumas imagens que poderão lembrar como na minha terra se vão dando passos em frente para combater o isolamento das cidades do interior, a solidão das pessoas mais velhas e o pouco conhecimento a que tinham acesso.
Os trajes impecáveis, as cabeças já brancas e a serenidade dos rostos, mostravam uma altivez de quem está bem com a vida, de quem está feliz, realizado.
As vozes afinadas acompanhavam os adufes e o cavaquinho nas canções tantas vezes ouvidas na minha infância.
Gostei muito.
Parabéns aos corajosos, que deixam a sua casa confortável e rumam à escola, mostrando que "o aprender, pode ser sempre".