Saudades

Tenho saudades do que nunca tive,
Espero quem sei que não vem.
A tristeza chega sem medida
Estrela cadente, nuvem em tarde de Verão
Onda rendada que de leve
Beija a areia dourada.
Ouço quem nada diz,
Sorrio para olhar distante,
Abraço uma lembrança.
Quieta, corro para quem não está,
Tenho saudades de quem nunca tive.

Eu, trabalhadora e dona de casa


No fim de um dia de trabalho  e enquanto fazia as tarefas de casa, ouvia o noticiário.
Iam fazer uma ponte que custaria muitos milhões. 
Eu ficava a imaginar, enquanto lavava a loiça, quanto representava aquela quantia e não conseguia ver em cima da minha mesa qualquer coisa parecida.
Passado algum tempo ouvia  que iria ser feito um hospital e que custaria muitos milhões.
Enquanto passava a ferro, depois de um dia cheio no meu serviço, voltava a fazer contas. Meu Deus, quanto dinheiro!
E depois era uma estrada, uma auto estrada, outra auto estrada e ainda outra. "Para desenvolver o nosso país","Para acompanhar o progresso do estrangeiro", diziam.
Depois, outra ponte. Desta vez eu baixava as bainhas das calças dos garotos, que cresciam mais depressa do que eu ganhava para comprar umas calças novas.
Enquanto passava o óleo nos móveis de madeira barata, para lhes dar o brilho que eles nunca teriam, ouvia falar numa Expo que traria mundos e fundos ao nosso país. E mexendo a sopa que iria comer nos próximos dias, quando chegasse do trabalho, via limparem uma parte da cidade, deitarem abaixo edifícios, mudarem de local grandes estruturas, fazerem estradas, construirem pavilhões e restaurantes e prédios e esplanadas e fontes e... Eu fazia cálculos como simples dona de casa, se renderia o suficiente, a tal Expo, para cobrir todas aquelas obras.
Mas se eu falava nessa minha inquietação, havia logo quem me dissesse que tinhamos de dar os passos para o progresso. Eu achava que o governo teria de fazer milagres para arranjar pernas para passos tão largos.
Continuava  a sair cedo para o trabalho, preocupada com o que tinha para pagar, com o frigorífico que se encontrava outra vez sem grande coisa, com os garotos que continuavam a crescer e a ter novas necessidades, com o medicamento que necessitava comprar e me abalava o orçamento. Enquanto isso, aproveitava o descanso de ir sentada no autocarro, embalada pelos solavancos e as entradas e saídas de gente tão pensativa como eu.
E logo falaram  num estádio de futebol novinho em folha, com isto e aquilo, tal como lá fora. Outro estádio e ainda outro. Eu nunca tivera coragem para gastar o dinheiro num bilhete para entrar num estádio, mas sabia que muita gente teria. E também a honra que era termos um evento daqueles!!! E via nascerem enormes estádios de futebol, coloridos, invadindo a paisagem e escurecendo monumentos com séculos, que ficavam com ar humilde e cinzento a seu lado. As luzes ténues que iluminavam o castelo de D. Dinis, pareciam pobres como eu, perante o brilho ofuscante dos projectores do novo estádio.
E eu, enquanto aspirava a sala, pensava onde se ia buscar tanto dinheiro para tanta obra grandiosa. Nenhuma delas ainda tinha alterado a minha vida, a não ser a auto estrada que percorria uma ou duas vezes por ano para ir à terra onde nasci.
Depois falavam noutra ponte, noutras estradas, em centros comerciais, em aeroportos, em comboios de grande velocidade...
Tinha ido um dia a Coimbra num comboio mais rápido e estranhei vê-lo com meia dúzia de passageiros. Um assistente veio perguntar-me se eu precisava de alguma coisa, se estava a fazer boa viagem e fiquei muito atrapalhada com tanta cerimónia. Fiquei a pensar e a sorrir, durante minutos, naquela gentileza para comigo, comigo, que antes de entrar no comboio tivera de deixar a casa arrumada e a comida feita.
O noticiário era um vício para mim. Talvez porque me trazia esperança de que depois de tantas obras, a minha vida mudasse, chegasse a minha vez.
Falavam em conferências a alto nível, em fundações de todo o género, em spread, em juros, em cotações da bolsa, em milhentas coisas que eu não percebia. Concentrava-me na camisola que fazia, em fibra que imitava a lã, por ser mais barata.
Foi então que começaram a falar em falências, em dívidas, em termos gasto mais do que podíamos... Eu parava de passar a ferro e admirava-me. Falavam em cortar o meu vencimento e de tantos outros como eu, porque tinhamos vivido acima das nossas posses. Aumentavam os impostos e avisavam-me que teria de pagar submarinos, centros comerciais, auto estradas, carros de luxo, obras milionárias nos gabinetes dos ministros, computadores para os deputados, viagens ao estrangeiro com comitivas de centenas de pessoas... Comecei a desconfiar que não percebia o locutor, ou que ele falava de outro país.
E a palavra crise era a mais vezes repetida. Crise nacional, crise na Europa, crise mundial, crise na indústria, crise na construção.
Agora, depois de me congelarem a subida na minha profissão, de congelarem o meu vencimento, de reduzirem o meu vencimento, de me tirarem os subsídios com que eu orientava a minha vida duas vezes por ano, de aumentarem tudo, depois disso, ainda dizem que eu nunca trabalhei nada e que posso ser despedida por ter sido incompetente, preguiçosa, ter ganho mais do que merecia e ter vivido acima das minhas possibilades.
Ouço as notícias e vejo os protestos de tantos como eu, enquanto arranjo a sandes e o copo do chá para o almoço, depois de um dia estafante no meu serviço onde se aposentaram mais de metade dos funcionários e tenho de  fazer a minha tarefa e a deles.
Os edifícios da tal Expo são transformados em sucata. O comboio de alta velocidade (que viria ajudar a transportar a meia dúzia de passageiros que eu vi naquele dia que tive de ir a Coimbra) já não se faz, mas tem de se pagar na mesma. Alguns  estádios estão para ser demolidos, pois nem chegaram a ser concluídos. O aeroporto continua congestionado e já foram gastos milhões para decidir se seria feito aqui, ou ali. Nos centros comerciais fecham a maioria das lojas. Os restaurantes fecham, as mercearias fecham, as retrosarias fecham, os mini mercados fecham.
Só persistem os restaurantes de luxo, os stands de automóveis de luxo, os hipermecados, as boutiques de luxo e custa-me a perceber porquê.
Os jovens deixam de poder estudar. Os pais emigram para poderem sustentar a família. As filas de desemprego engrossam todos os dias.
E penso, enquanto colo a sola dos sapatos gastos, como poderia ter trabalhado mais, o que teria feito acima das minhas possibilidades económicas, para que os meus filhos não tivessem futuro.
Então os governantes estudam, falam coisas que ninguém percebe, vão ao estrangeiro e convivem com reis e presidentes, sabem de tudo e não sabem que se comprarem a tv a prestações têm de a pagar, se pedem dinheiro ao banco para ir para o Algarve, têm de pagar as férias a triplicar?
Vejo os protestos e tenho raiva.
Apetecia-me que entre todos decidissemos não pagar, não pagar, não pagar.

A Luta


Fomos esperando que nos ajudassem, que lutassem por nós, que nos dessem a paz, mas o inimigo mostrou-lhes o tesouro e ofereceu-lhes alguns despojos.
Venderam-se e ignoraram-nos.
As contas que nos prestaram, foram mentiras.
As promessas que nos fizeram, não foram cumpridas.
Agora, enquanto seguram o despojo da sua infâmia, querem que continuemos a tratá-los como guerreiros.
O povo, virou-lhes as costas.
Teimam em esconder o que não lhes pertence e convencer-nos que vão lutar por nós.
E nós, o povo, dobra as costas, mas desta vez para apanhar pedras e se defender.

Partiram já tantos!

Começo a contar todos os que viveram e foram famosos durante grande parte da minha vida e fico espantada com tantos que já partiram.
Foram cientistas, actores, músicos, políticos, pintores, escritores, poetas, revolucionários, pessoas sábias, cheias de vontade, persistentes na sua luta pelo que acreditavam, pelo que amavam e queriam conquistar, no entanto, o tempo, umas vezes mais justo, outras mais apressado, acabou por lhes dar o mesmo destino.
Para onde foi a sua sabedoria, o seu talento?
Que sentido tem a vida, se acaba da mesma forma para os heróis e para os cobardes?

O tempo que resta

Dizia hoje a uma pessoa amiga, que sinto pena de estar a envelhecer.
Lembro-me do meu cabelo, dos meus olhos, das minhas mãos serem tão diferentes e por mais que tente, não consigo fazê-los ficar como eram.
Mas se fechar os olhos, sinto como sempre senti, construo os mesmos sonhos, alegro-me e entristeço com as mesmas coisas, sou como sempre fui.
Esqueço-me do que o espelho mostra e espero que alguém me olhe e me veja como eu me sinto. Ainda acredito no amor.
A alma não envelhece, como o nosso corpo.
A alma é sempre jovem e faz-nos sofrer por isso, no tempo que resta.