Café com companhia

Mesmo sem vontade de sair de casa, quem vive sozinha e precisa de comprar alimentos, tem de o fazer. Estava sem pão, base do pouco que tenho comido ultimamente, desde que ando adoentada. Queria comprar legumes e fruta. Resolvi arranjar-me e lá fui.
Para não vir para casa logo depois de fazer as compras, sentei-me no bar e aproveitei para tomar o pequeno almoço.
Nas mesas à minha frente estavam 5 pessoas que me despertaram a atenção.
Um casal mais idoso, ele sempre sorridente, com um rosto perfeito, com aspecto de ser muito alto e magro, ela muito bem vestida, com um blusão acetinado de penas e uma boina de lã angorá, que deixava aparecer algum cabelo loiro e cuidado, estavam logo ao meu lado.
Duas mulheres, a rondarem os quarenta anos e um homem da mesma idade, vestindo roupa desportiva e de bom gosto estavam à sua frente. Uma ficou no topo da mesa e lia uma revista, a outra falava, enquanto os mais velhos, que deduzi fossem os pais, sorriam.
O homem mais novo alimentava a tagarelice com um ou outro comentário.
A que lia, não respondia e mostrava não prestar atenção ao que diziam.
A outra, em tom bastante alto, confiante, que me permitia ouvir o que dizia, comentava que "alguem com quem trabalhava, mal entrava no serviço tomava café. Daí a pouco já pedia café de novo e até à hora de almoço ainda bebia mais dois ou três, continuando assim todo o dia.
Quando lhe dizia que ele bebia café demais, respondia-lhe que como havia pessoas viciadas em tabaco, ele era viciado em café."
Sorriam e mal faziam um comentário de poucas palavras, ela voltava a dominar as atenções com outro assunto.
De repente, levantou-se para ir às compras. Perguntou à que lia se precisava de alguma coisa. Esta negou com um gesto de cabeça, sem desviar os olhos da revista.
Isso não a fez desistir e nomeou uma lista de coisas, na tentativa de a fazer lembrar de alguma falta. Passou do shampô para o creme das mãos, dos detergentes para os legumes, dos queijos para as bebidas.
Mas, nem resposta, apenas novo acenar de cabeça.
Então, saiu da mesa e desapareceu no meio das pessoas.
A que lia, levantou os olhos para o homem mais novo, passou-lhe a mão no rosto e deu-lhe um jeito no cabelo já bastante grisalho. Ele olhou-a e sorriu.
Lembrei-me da minha família. Do meu pai sempre tão bem posto, com um riso franco em que mostrava os dentes perfeitos, sempre com um ar meigo e bem disposto. Da minha mãe tão vaidosa, com o seu baton, os seus brincos e colares, o seu cabelo muito curtinho, com roupa clássica de boa qualidade. Eu, tagarela, ria de tudo e entusiasmava o meu irmão mais novo a dizer disparates e a rir também.
O meu irmão mais velho não me achava graça, nem tinha paciência para me ouvir.
A minha mãe acabava por me mandar calar, mas era nesses momentos que eu mais tinha vontade de rir.
Então o meu pai dava-me toques com os pés debaixo da mesa e ria também. A minha mãe zangava-se dizendo que ele era o culpado, que era pior do que eu.
O meu coração encheu-se de recordações e de saudades.
A minha solidão tornou-se tão real, que de repente parecia não haver ninguém à minha volta.
Olhei o fundo da chávena, bebi o último golo açucarado em demasia, arrumei o tabuleiro e saí.
O frio da rua pareceu-me uma carícia. Enchi o peito de ar, com força e corri para casa.

Ronan Keating

2010...

Terminou 2009 e... lá tivemos que aceitar 2010.
Nada consegue parar o tempo.
Nem a vontade, nem a necessidade, nem a força do pensamento!
E foi triste o fim de um e o começo do outro.
Temporal, destruição, falta de electricidade, inundações, gripe A, desemprego, serviços de saúde de meter medo para os menos abonados, miséria, crime e injustiça q.b.
No entanto as lojas cheias de gente a comprar roupa como se tivessem 200 corpos, a comprar brinquedos cada vez mais sofisticados e a que as crianças pouco ligam, comida aos montes de todas as espécies e sabores, bibelots, adornos, sei lá eu que mais... enquanto os sem emprego, os sem abrigo, os sem saúde, os sem família, os sem comida, os sem esperança, assistem a todo um desfile de supérfluo com o coração partido.
Tenho visto muita indiferença, muita ambição, muitas atitudes que não gosto.
As pessoas desculpam-se com a crise, mas ela serve apenas de motivo para darem largas ao seu mais profundo egoísmo.
Poderiam contornar a crise de que tanto falam, com menos luxo, com menos ostentação... mas é difícil privarem-se de um pouco que seja, para que os outros se sintam menos infelizes.
Estou triste, como há muito tempo não estava.
Comecei 2010 com o coração apertado, com as lágrimas nos olhos, com uma nuvem sobre o que espero do futuro.
E não é por crise económica nenhuma...
Apenas antevejo o que é a velhice, a falta de sáude, a falta de projectos, as limitações de quem soma anos.
E em 2010 somarei mais um.