Para onde?

A polícia é ignorada pelos marginais.
Os professores são agredidos pelos alunos.
As mulheres são espancadas pelos companheiros.
Os idosos são abandonados pelos familiares.
As crianças são maltratadas, sequestradas, violadas, assassinadas.
As árvores são cortadas, os animais extintos, os rios poluídos, os alimentos contaminados.
A amizade é fingida, o amor traído, o íntimo escancarado.
A vergonha, a honra, o respeito e a verdade passaram de moda.
Para onde vais homo sapiens?

Recadinho



Uma amiga que visita o meu espaço e como eu, ama o Fundão, fez-me algumas perguntas a que gostaria de responder.
Mas não tenho o seu endereço electrónico...
Para a Nela e para outros amigos que costumam ler as minhas recordações com tanta paciência, venho pedir que me enviem os contactos, pois nem sempre dá para responder por aqui.
O meu endereço está em cada blog, junto ao meu nome.
Obrigada pelo carinho.

Matracas

Na Páscoa, na procissão que simboliza o enterro de Jesus, vão as pessoas em silêncio, nas ruas às escuras, só se ouvindo as matracas... placas de madeira com ferros dependurados e que fazem um barulho seco, conforme são sacudidas.
Foi assim que eu me senti hoje, todo o dia. Uma dezena de matracas foi chocalhada insistentemente no gabinete ao lado do meu, entrando-me o matraquear pelos ouvidos, enchendo-me a cabeça, arrepiando-me os cabelos, eriçando-me os pêlos como pele de galinha.
Todo o santo dia sofri horrores com aquelas castanholas incansáveis que trauteavam mil assuntos ao mesmo tempo e me faziam zumbidos nos ouvidos, suores nas mãos, tremores nos joelhos.
Secou-se-me a boca, tive tremeliques nos olhos, ameacei ranger os dentes e bufei mil vezes, tantas quantas comecei a mesma frase no computador e a interrompi por falta de coragem para avançar naquele alarido, batuque, sapateado e toques de unhas nos vidros.
Se me atrevia a desviar a atenção para o meu trabalho e me demorava a mostrar a minha concordância (sem saber qual era o assunto, efectivamente) tudo era dito do princípio com mais convicção e frenesim.
A minha cabeça era um coco cheio de pedras miúdas que batiam e ecoavam no fundo, deixando-me com náuseas e tonturas.
Desisti de esperar que se cansasse, pois quanto mais falava, mais energia tinha, mais alto era o seu tom de voz. Os gestos eram cada vez mais largos, mais rápidos, mais ameaçadores e fantasmagóricos. Tive medo que partisse o vidro que nos separava, que rebentasse as veias do pescoço, que lhe saltassem os olhos das órbitas, que sangrasse dos nós dos dedos... de tantas pancadas que davam nos móveis! Se eu desviava o olhar, os sons agudos transformavam-se em silvos, que pareciam sirenes... Era a guerra de 14/18, a bomba atómica, o fim do mundo!
Meu Deus! Venho esgotada de tanto ouvir. De certeza que vai dormir bem esta noite, quem tanto falou! Apesar de já estar fechada na minha casa, a salvo, continuo a ouvir a matraca, no som seco e repetido que me levanta os cabelos e me enche de tiques nervosos!!!

Um minuto

Vento, muito vento. Frio.
Chuva a cântaros e nuvens negras no céu.
As notícias falam de 1 caso de tuberculose numa funcionária de um hospital e da calamidade pública causada pelo tornado em Santarém.
E o caso Esmeralda continua.
Os lucros dos bancos são contabilizados em milhões!
O trânsito está complicado em Lisboa e no Porto!
Eu vou sair para trabalhar, enquanto se ouvem contínuas notícias de despedimentos...
Tenho um livro novo para ler e muitas coisas para escrever. Mas só mais logo, de regresso a casa.
Ouve-se a música "Dizem que só os loucos se apaixonam..." Espero com ansiedade o momento do café. O prazer do seu cheiro, do seu sabor, da sua energia e do convívio com os amigos.
O que tem de ser... o que pode ser! A vida.

Recordar, será viver?

Esta noite sonhei muito e lembro-me de algumas coisas do meu sonho.
Estava numa sala de aula, com outros alunos, jovens como eu era quando estudava.
A professora veio para perto mostrar uma coisa qualquer num livro.
Vi entrar o Aníbal, tal como ele era quando estudámos juntos. Ele olhou-me e sorriu, como fazia sempre. Sentou-se longe e eu tentava esconder-me atrás dos colegas que estavam ao meu lado. Não queria que me ele me visse. Acho que eu tinha a idade que tenho agora e não queria que ele me visse assim.
Acordei com saudades. Não sei se dele, se de mim naquela idade.
Conheci-o num pic-nic que fizemos na Serra da Gardunha. Era magro, alto, moreno e tinha o cabelo forte, liso, brilhante e negro como a asa de um corvo.
Era um ano mais novo que eu. Naquela idade essa diferença notava-se, pois um rapaz com 16 anos parece muito mais criança que uma rapariga de 17. Mas entendíamo-nos muito bem.
Conversávamos todo o tempo que podíamos estar juntos, no fim das aulas. Depois, em casa escrevíamos longas cartas que trocávamos no dia seguinte, no corredor, à entrada das aulas.
Nas festas de amigos, dançávamos sempre os dois e na hora de despedir, olhávamos para trás dezenas de vezes. A separação era sempre triste. Além disso, o muito que fizemos, foi dar as mãos. Mas numa terra pequena, namorar um rapaz mais novo foi logo falado e o meu pai veio a saber. Não gostou e contrariou.
De vez em quando lembro-me dele. Nunca mais o vi. Nem imagino o seu aspecto, agora. Porque é que sonhei com ele, não sei, pois estas lembranças não têm andado muito por aqui...
Uma amiga disse-me que eram saudades. Talvez... saudades de me sentir amada.