S... de Silêncio, de Saudade, de Salvado da Silva

Depois que partiu, pai, muitas coisas aconteceram, muitas.
Sei que está atento a tudo o que se passa connosco, sinto que em muitos momentos está perto, mas o que eu queria mesmo era tê-lo aqui. Gostava de lhe mostrar o que consegui na vida, à força de lembrar repetidamente, quando o desânimo leva a melhor, as palavras que me dizia para me encorajar.
Mas antes, começaria por lhe pedir desculpa por não ter sido capaz de continuar o seu trabalho, de salvar a escola e de manter a quinta como um jardim. Eu tentei. Recomecei muitas vezes, mas não o fiz da forma certa. Não foi o suficiente.
Se andei em frente e elas ficaram para trás, foi a pensar que era isso que o pai desejaria para mim. Mas a minha alma continua a morar na nossa casa, a sonhar transformá-la em turismo rural, a voltar a plantar flores no jardim onde as rosas deixavam um perfume sem igual, a lanchar na varanda, a ver as estrelas no céu quando o sol se punha e ficava tudo em silêncio.
Continua lá, mesmo sem esquecer os dias de solidão, quando o temporal nos deixava sem electricidade e era a luz dos relâmpagos que iluminava a sala onde eu fazia as contas à vida, onde sentia mais do que nunca o desamparo e via morrer a esperança.
Continua lá, apesar dos dias de desânimo, de raiva e de impotência, em que assisti à agonia por envenenamento dos fiéis companheiros- Diana, Snoopy, Kid, Leão e Lassie, por crueldade de quem tinha conseguido fazer uma piscina e não os queria por ali a gozar o fresco da relva...
Até quando me roubaram os bens e desesperava na dor da perda, por não saber que apesar de ter ficado sem anéis e pulseiras, ainda tinha a coragem, a força e a vontade.
Continua a alma, mas não podia continuar o corpo, pois enquanto cá andamos temos que ganhar o nosso pão, temos que continuar a lutar- é o que repito para mim mesma na esperança do conformismo.
Então pus os pés a caminho e hoje queria mostrar-lhe, paizinho, onde cheguei.
Queria mostrar-lhe como cresceram os meus filhos e como são inteligentes e pessoas do bem. E a minha neta... pois é, o tempo passa! Imagino como iria adorá-la. É saudável, inteligente, simpática e muito engraçada. Vai ter um irmão e está toda contente. Sim, vou ser avó outra vez. Vai ser bisavô, de novo!
Também queria que conhecesse a minha casa. Não há dia nenhum que eu não pense como se admiraria de eu ter conseguido comprar a minha casa, sózinha, desde o contrato promessa, até à escritura.
Veria o pequeno jardim, onde tenho roseiras de todas as cores e tantas flores quantas as saudades que nelas vou matando. Já me disseram que não é um jardim, é um bosque.
Também vejo uma Serra em frente e da varanda conto estrelas nas noites sem luar.
É na estrada que mais sinto o pai por perto, que mais tenho a certeza de tão valiosa ajuda. Só isso já me conforta... O trânsito está difícil e podemos cumprir à risca o Código de que o pai era Mestre, que pouco adianta, pois há quem nada cumpra e ponha a vida dos outros em risco constantemente.
A Aldeia de Joanes, que o viu nascer e o acolheu na partida, está uma cidade. Os amigos que ainda não partiram, não se cansam de o lembrar com palavras afectuosas.
Quem me dera ouvir outra vez as suas gargalhadas. Eram um constante hino à alegria e à amizade. Estrondosas e cativantes.
Lembrei-me agora dum episódio com o Frederico:
-"Avô, estás a dormir?"
-"Não, estou a pensar"
-"Oh avô, mas fazes tanto barulho a pensar?"
Acho que o pai nem acredita como estou a escrever-lhe... num computador, no meu blog. É mais uma das modernices que agora todos têm. Eu, que sempre gostei de escrever, tenho nele uma grande ajuda e só penso como teria sido diferente se eu o já conhecesse quando era estudante e estava ainda a tempo para tanta coisa... Mas ocupo nele muito do meu tempo e fico menos só, menos infeliz, pois vou-me realizando ainda que à medida dos frutos temporões.
Tantas outras coisas que eu gostava de lhe mostrar... que eu gostava que o pai tivesse conhecido e aproveitado!
Questiono-me muito para onde vai a inteligência, a sensibilidade, os conhecimentos, o amor, daqueles que partem. Como pode acabar alguém que é tão importante para nós, mesmo depois de ter partido há tanto tempo? Só desejo que um dia eu mereça voltar a sentir o seu abraço tão quente, o seu olhar tão meigo e o seu amor sem condições.
Abençoado seja o dia 20 de Julho que o viu nascer e abençoados todos os dias em que pude tê-lo como pai- o melhor pai do Mundo.


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Pai

Não me perdoes, Pai – que ingrato sou!
Para remir a soberba em que me perco
Só por pecos garatujos me acerco
De quem por vida o verbo me doou

Tanto cantei o amor sem perceber
Que em todos os lugares e momentos
Jamais eu disse mais que os sentimentos
Que o teu sentir me deu a conhecer

Dos mundos, vidas, almas que me deste
Recusou-se a abrir mão esta memória
Temendo que ao usá-los os perdesse

Digo-te só que mais faria se tivesse
Engenho para plagiar a história
Que sem papel nem pena escreveste
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*António Leal Salvado

"Teorias"

Vão desaparecendo certas "teorias" sobre grávidas e bebés, que as pessoas contavam na minha terra, plenamente convencidas daquilo que defendiam.
Quando uma grávida chegava, logo as outras mulheres se apressavam a adivinhar se estava à espera de rapaz ou de rapariga.
Umas diziam que era o feitio da barriga- redonda para rapariga, bicuda para rapaz.
Outras, adivinhavam o sexo do bebé pela cara da mãe- se tinha a boca inchada e a pele manchada, era menina. Se "estava bonita", era rapaz.
Outras faziam o jogo da agulha. Uma agulha com linha enfiada, fazia pêndulo na mão da futura mamã- se ficava parada (ou se movia em círculo, não sei bem), era menina. Se balançava em movimentos rectos, era rapaz...
Estas teses eram defendidas com ar convicto e diversos exemplos que comprovavam a infalibilidade.
O médico que me assistiu durante a gravidez dos meus filhos, Dr. Kirio Gomes, tinha uma teoria mais simples e acertava sempre.
Dizia à futura mamã que vinha lá um rapaz e escrevia na ficha- menina. Quando o bébé nascia, se a mãe o confrontava com o facto de se ter enganado, mostrava-lhe a ficha e pronto!
Nem se imaginavam os tempos em que basta fazer uma ecografia.
Quando o bébé tinha soluços, arrancavam um borboto da roupa, molhavam-no na boca e colavam-no na testa da pobre criatura! Não seria higiénico, mas resulta sempre, dizem.
Recomendavam que as grávidas não metessem botões, chaves ou outras coisas do género nos bolsos, junto à barriga, porque as crianças nasciam com as marcas desses objectos.
Entretanto as mulheres devem ter-se rebelado contra o "resguardo" de 40 dias depois do parto de um rapaz e 30 dias de uma menina. Era um período de tempo em que a mãe não saía da cama e só comia canja de galinha! Até nisso os rapazes tinham mais regalias!
Coitadas das mulheres que trabalhavam duramente até ao momento de darem à luz e no dia seguinte voltavam ao trabalho com o filho, que deitavam num cesto, aconchegado numa mantinha, debaixo de uma árvore, enquanto apanhavam as batatas ou tratavam das hortas e das vinhas. Dirão que é imaginação minha!
Para os bebés não fazerem hérnias umbilicais, quando choravam muito, punham uma moeda no umbigo.
Diziam também, que cortar o cabelo do bebé antes do ano de idade, fazia com se atrasassem na fala.
E outras coisas engraçadas, que estão a ficar esquecidas, como as consequências dos desejos da mamã.
Se à mãe lhe apetecia qualquer alimento que não comia, fosse qual fosse a razão, diziam que o bébé nascia com a boca aberta ou com os cabelos em pé.
Fui ao Fundão passar o dia de Todos os Santos, dia 1 de Novembro. A minha mãe tinha guardado uma melancia com cuidado, esperando que não apodrecesse antes de irmos lá. Era muito doce e eu comi umas quantas fatias.
Quando voltei para Lisboa, comecei a sentir-me enjoada e soube que estava grávida. Tinha sempre sede e só me lembrava da melancia do Fundão. Todos tentaram encontrar aquele fruto nos mercados ou nas casas de produtos especiais, mas não era época da melancia e eu não pude satisfazer o meu apetite.
O desejo era tão grande, que um dia vi em cima da cómoda alguma coisa que me pareceu ser uma fatia vermelhinha. Mostraram-me depois, um papel que amachucaram e deixaram ali esquecido...
Disseram logo que foi por isso que a Rita nasceu com o cabelo em pé!!!

A actriz


Tudo para a Francisca pode transformar-se em brincadeira "faz de conta".
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Fingir que chora, que espirra, que está a dormir, que coxeia, que ri em gargalhadas, que passeia o irmão no carrinho imaginário... tudo para ela é fácil!
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Decorar um texto ou uma poesia... é canja!
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A forma como fala, como gesticula, como se enfeita, como veste as personagens, fazem antever uma actriz, uma actriz que quer ser médica.
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Para a foto há sempre uma pose especial...
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free music

BIA


100 anos!


Parabéns a esta grande senhora, bisavó do Tomás, que tem a coragem de enfrentar a vida com tanto optimismo!

Festa da Francisca.


Francisca na festa do fim do ano lectivo 2006/2007, na 3ª classe, com 8 anos.

Tema: Os compositores clássicos.

"A radicalidade da música denuncia uma nova era. Surpreende-nos ainda como surpreendeu na estreia do bailado para a qual foi composta.

A sagração da primavera não foi uma das obras mais importantes deste compositor russo, nascido em 1882. Foi uma obra crucial que marcou o fim do predominio e da harmonia sobre o ritmo: Stravinsky é o seu nome".
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A Francisca diz este texto de cor e está triste porque não segurou na letra...

Rita

Depois da análise de laboratório (nessa altura ainda não havia análises "pronto a usar" à venda nas farmácias e supermercados), que me disseram ter de ser feita numa rã, soube que se confirmavam as minhas suspeitas- estava grávida.
Tinha casado em Maio, na Basílica de Fátima, com uma festa tradicional. Vestido de noiva, véu branco com muitos metros, 2 padres amigos a celebrar a cerimónia religiosa e almoço no Hotel Pax com a família e os amigos mais próximos.
Agora, 6 meses depois, sabia que esperava o meu primeiro bébé e estava confusa. Penso que quase todas as mulheres nas minhas condições (não falo nas que têm de fazer tratamentos e aguardam a gravidez com a incerteza de a conseguir) ficam preocupadas com essa notícia.
Sabemos que com o casamento vêm os filhos, vemos as outras com os ventres estofados e o andar pesado, mas não sabemos como vai ser connosco, o que vai mudar na nossa vida, como vamos passar por tudo até termos um filho no colo. Se fiquei entusiasmada com a novidade, também surgiram dezenas de interrogações, de medos, de angústias.
Estava-se grávida e pronto. Não se faziam exames ao feto, não se previam anomalias, não se sabia nada... nem o sexo do bébé tão pouco.
Os primeiros 3 meses enjoei tudo. Foi horrível. Também não me deram qualquer medicamento que ajudasse nesse ponto. Depois, comecei a ficar melhor, com fome de morrer e a barriga a lembrar-me que não estava doente...
Tinha acabado de fazer o enxoval de noiva e recomeçava com o do "crianço" que vinha a caminho.
Tive de fazer novas roupas para mim, pois a cintura foi a primeira a desaparecer e não havia roupa para grávidas no "pronto a vestir".
Comprava roupinhas brancas, amarelas, azuis e verdes. Não escolhia o rosa, pois podia ser um rapaz e depois não ficaria bem com a cor das meninas.
Comprei a alcofa, o carrinho, a caminha de grades e fiz colchinhas de renda e xalinhos de lã macia.
Vivia o período mais feliz da minha vida...
Era muito mimada pois vinha lá o primeiro filho, o primeiro neto, o primeiro sobrinho!
Eu sentia-me óptima e expunha a minha barriga, que ficava maior a cada dia e me deixava redonda como uma pipa, com muito orgulho. Parecia que só eu tinha conseguido aquela façanha.
Preparei-me para o parto com o curso "O parto psicoprofilático", a que também chamavam "O parto sem dor". Quem lhe deu este nome era homem, de certeza.
Por fim, fiz a mala, arranjei o cabelo e as unhas e fiquei à espera.
Depois de um fim de semana muito comprido, na 2ª feira, dia 17 de Julho, às 11,30 h da manhã, no Hospital Particular de Lisboa, chegou. Era uma menina.
Pesava 3,100 kg e media 49 cm. Tinha o nariz arrebitado e a carinha redonda como uma laranja.
Chorou ao nascer e mamou poucas horas depois.
Foi muito visitada no berçário, onde de nariz encostado ao vidro, toda a família a achava a criança mais linda do mundo. Tinha o cabelo preto, farto e em pé, espetado como se fosse de arame. Muitas vezes ouvi a frase "Tão linda, que pena ter assim o cabelo!"
Até a isso, todos achávamos graça.
O pai disse que ela tinha cara de Ritinha e eu concordei. Foi registada Rita, diminutivo de margarida, flor.
Ao quarto dia, tivemos alta, as duas. Regressámos a casa, o pai e eu, com o nosso maior tesouro na alcofinha e um enorme sorriso de felicidade. Eu tinha de novo uma boneca...
Ontem completou mais um aniversário e também ela, esperando um filho já nos últimos dias, tem a mala pronta para ir a qualquer momento para o Hospital. Só que já leva o enxoval em azul e já escolheu o nome para o meu neto- Tomás.

Parabéns Ritinha, continuas a ser a minha alegria, a minha vida.

Francisca

Fomos almoçar ao restaurante, ontem, num dia de calor de verão lisboeta.
A Francisca, que levava a sua malinha preferida cheia dos objectos mais diversos, a dada altura, sem darmos por isso, tira um cachecol de lã e enrola-o ao pescoço. Disse que tinha frio.
O ar condicionado estava um pouco forte.
Depois, pediu os óculos de sol à mãe e colocou-os.
Quando o empregado veio servir, ollhou para ele e disse: "Estou na Serra Nevada".
Assim, com este sorriso e esta alegria que nos contagia.

Viva!

Recebi 4 livros novos!
Os meus amigos estão atentos aos meus gostos e fazem-me sentir muito feliz.
Nem sei qual hei-de ler primeiro. Talvez os 4, como é costume.
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Também recebi um IPod!
A Rita, o Jorge e a Francisca sabem como adoro música e deram-me a possibilidade de a levar sempre comigo, carregando pouco mais do que um cartão de visita.
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É pena ter ficado um ano mais velha...
Não há bela sem senão.
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Não fora esse pequeno pormenor e não me importava de fazer anos mais vezes.

Mãe

No dia 12 de Julho festejaremos o seu aniversário.
Foi bonita, elegante e forte.
Agora, no entardecer dos seus dias, depende da atenção e do carinho daqueles a quem dedicou toda a sua vida.
Com consciência de que a chama está prestes a apagar-se, mostra-se conformada.
A sua alma continua forte, o seu pensamento lúcido, mas o seu corpo deixa de lhe obedecer, teimando em lembrar os anos que a serviu.
Com olhos tristes pede o que vai precisando. A maior parte das vezes cala os desejos, pois nada é já muito importante...
Lembra-nos como foi amada pelo pai e pelo marido.
Também sabe que o é pelos filhos e netos. A bisneta tem verdadeira paixão pela Bis.
Mas a natureza tem as suas regras e nem todo o amor do mundo consegue restituir força às suas pernas e brilho ao seu olhar.
Disse-me, na sua linguagem de gestos, que nos sonhos fala e anda como quando era jovem.
Eu também a vejo sempre como quando cuidava de nós, quando o sol ainda era quente e fazia curta sombra no chão. Apesar da fragilidade e do silêncio, continua um pilar nas nossas vidas.
Parabéns mãezinha, pelo aniversário e pela vida.
Natal de Julho

Talvez sintas, Mãe, que não tens Natal
Que o que jaz no silêncio dessa cama
Não é a paz que esta noite proclama
É a falta à de outras noites igual

Talvez sinta esse teu sono desperto
O frio que esta noite sempre faz
Mas hoje, minha Mãe, que aqui não estás
Temos-te mais que sempre aqui perto!

Natal... ó minha Mãe, o que é Natal?
É esse meigo olhar abençoado
E esse imenso amor nunca negado

É fazer do que nasceu do passado
Presente três vezes multiplicado
Futuro do Amor intemporal

Inspira-te na natureza...

Envelhecer, não é uma escolha...

Num país distante, havia o hábito de levar os idosos para o cimo da montanha, quando deixavam de produzir e ficavam dependentes da ajuda dos mais novos, onde esperavam a morte à mercê do frio, da fome e dos animais selvagens. Então, um homem que gostava muito do seu pai, no momento em que este ficou velho e deixou de poder trabalhar, lembrou-o que chegara a hora de subir a montanha e se separarem.
Caminharam em silêncio, lado a lado, até à zona mais alta e gelada, onde o homem se despediu do velho pai, sabendo que ele ficaria ali para morrer e ser devorado pelos animais.
Então, com pena do pai, deu-lhe uma manta e disse-lhe:
-Tome, meu pai, para se proteger do frio no gelo da noite.
O pai abraçou-o demoradamente, com os olhos cheios de lágrimas e antes que ele lhe virasse as costas para voltar a casa, rasgou a manta em duas e deu-lhe uma das partes, dizendo:
-Espera, meu filho, guarda esta manta, pois em breve chegará a tua vez e também vais precisar.