Revolução






Numa manhã de Primavera, quando me preparava para tomar duche, ouvi nessa mesma rádio a canção de Zeca Afonso "Grândola, Vila Morena".
No espaço de meia hora ouvi a mesma canção 4 vezes e fiquei desconfiada.
Fui ao quarto e chamei a atenção do Carlos:
- Carlos, deve estar a acontecer alguma coisa, estão a passar na rádio, constantemente, uma canção do Zeca Afonso, a "Grândola, vila morena".
Zeca Afonso logo pela manhã, já era estranho... Repetidamente, era muito, muito estranho.
Mal acabara de dizer a frase, lá estava outra vez aquele som de marcha em que os soldados batem com as botas pesadas no chão.
O Carlos saltou da cama num ápice e foi ouvir os outros canais. Só se ouvia a voz pesada e séria de Zeca Afonso:
"Grândola, vila morena,
terra da fraternidade,
o povo é quem mais ordena,
dentro de ti, ó cidade!"
- Passa-se qualquer coisa, passa-se qualquer coisa...
Só mais tarde as notícias começaram a chegar e nós acatámos a recomendação do locutor para ficarmos em casa.
Todo o dia estivemos juntos com a nossa filha, ainda bébé e à medida que ouviamos as notícias, a repetição da "Grândola..." tornava-a numa canção de mais alegre, mais viva, em que as palavras "fraternidade" e "o povo é quem mais ordena" ganhavam novo significado.
Passámos o dia de 25 de Abril a ver as notícias que nos chegavam aos soluços pela TV e a ouvir todos os canais de rádio que conseguiamos sintonizar.
A Revolução estava na rua, com os soldados, o povo e os cravos vermelhos, que as floristas deixavam nos canos das espingardas.
Foi um dia confuso, seguido por outros cheios de emoções fortes, de entusiasmo, de lágrimas e muita, muita esperança.
Os heróis de Abril que falam agora na TV, estão envelhecidos, maduros, o povo está desiludido e pouco crédulo na política, mas todos acalentamos ainda no fundo do peito, aquela que é sempre a última a morrer - a Esperança.

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