TLM

O telemóvel é um objecto pelo qual falamos com quem queremos, a qualquer hora, de qualquer lugar. Não se vê por onde se fala, nem por onde se ouve. Não parece um telefone.
Mas todos conhecem, todos têm, todos usam.
Não precisa de estar ligado à corrente, não precisa de antena.
É pequeno, tão pequeno que pode aplicar-se à armação dos óculos, esconder-se na palma da mão ou perder-se no fundo da mala de uma senhora misturado com o baton e a caixa do pó compacto.
Com um pequeno gesto, temos quem queremos do outro lado da linha. É necessário que ela nos queira atender, claro, que não pense como eu.
Também tem os seus inconvenientes.
A todo o momento temos alguém a ligar-nos, para falar de qualquer coisa que esqueceu de dizer ainda há pouco. E o que acontece connosco, acontece com todas as pessoas ao nosso redor, que constantemente respondem ao toque da última música preferida.
E fala-se na rua, a caminho do banco ou do emprego, no supermercado entre a prateleira dos detergentes e das bolachas, na farmácia, no quiosque, na esplanada ou no carro.
Fala toda a gente, em qualquer sítio, ao mesmo tempo e com todos a ouvir.
Se não atendemos, deixam mensagem de voz, mensagem escrita ou accionam o recall.
Não temos como escapar.
O uso do telemóvel deu origem a novas maneiras de falar. Assim, já não se usa o característico "Tou" ou "Tá lá", agora usa-se "Onde estás?".
Se o aparelhinho fôr mais sofisticado, podemos ter a prova através da câmara de filmar... é a 3G.
Se estamos a falar com outra pessoa, fica em espera, sem se cansar. É um tormento!
Dizem-me que é útil na estrada para o caso de termos uma avaria... Mais útil seria um mecânico e não levamos um connosco sempre que viajamos!
Deixámos de ter novidades para contar em casa no fim do dia. Não temos surpresas quando encontramos alguem que já não vemos há algum tempo. Tudo é dito na hora, no minuto em que acontece, por mais distasnte que estejamos.
Toda a gente sabe o que nós sabemos. Não tem piada...
Eu começo a defender-me.
Esqueço-me dele em casa. Se tenho de atender, aviso logo que não tenho carga. Se me pedem para ligar, não tenho saldo. Se estou em casa, não lhe carrego a bateria.
Outra marosca é identificar sempre na nossa lista todos aqueles que não queremos atender.
É que assim vemos quem está a querer falar-nos e pronto... a solução já não é esquecer de anotar o número, a solução é mesmo anotá-lo, não vá acontecer, num momento em que nos sobra alguma boa vontade, carregarmos no verde e pronto, sermos apanhados.
Não podemos ver um filme descansados, parecendo até que adivinham quando estamos com interesse numa cena. Quantas vezes nos distraímos a ver o que nos interessa e somos despertados do lado de lá com "Estás a ouvir?"
Deixamos o jantar arrefecer, ou temos que responder com a boca cheia.
Não escapamos sequer na casa de banho e por vezes e distraídos, até descarregamos o autoclismo!
Para mim o telemóvel tem uma única função... fazer chamadas. Raras, absolutamente necessárias e, se possível, curtas. Também é interessante podermos dizer que estamos no Algarve, sem termos saído de casa ou ao contrário.
Quando desejo muito uma chamada, o que é raro, parece que a outra pessoa pensa como eu... nunca liga! Se ligo eu... ela não atende. Parece bruxedo!
Só atendo um telefone quando quero, no entanto nunca confesso isso a quem diz ter-me telefonado. É uma nova característica destes pequenos sabonetes com teclas- ensinaram-nos a mentir mais.
Toda a gente dá as mesmas desculpas... "Deixei-o no carro", "Tinha-o na mala e não ouvi", "Ia ligar-te mesmo agora", "Só vi a mensagem hoje"...
O modelo que possuímos, também mostra o nosso status. O tamanho, as características, o preço... Há modas para eles, como há para tudo o resto.
Temos, portanto, de os substituir regularmente por outros mais completos, mesmo que nunca consigamos ter tempo para aprender todas as suas funções.
Devemos saber enviar mensagens de olhos fechados, ter cãmara, net, músicas diferentes todas as semanas, toques personalizados para as diferentes categorias de interlocutores, capas de cores metálicas para combinar com o carro ou com a roupa, bolsinha de pele para pendurar no cinto, etc.
Para bem, devemos ter dois, no mínimo.
Podemos esquecer a carteira, as chaves de casa, os óculos, podemos esquecer o filho no colégio, mas nunca, nunca o telemóvel.
Dizem que o uso excessivo frita os miolos... Isso não nos aflige. Vive-se com os miolos fritos, mas sem telemóvel é impensável.
Eu tenho dois, como manda o bom senso. Um é 96 e o outro 91. Mas raramente têm saldo, bateria ou encontro os carregadores. Se, mesmo assim, funcionam, não atendo as chamadas!
Eu sou espírito de contradição.

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