No palco


A peça foi escrita por dramaturgo desconhecido e todos subimos ao palco para a representar.

Tem um único acto e nela cabem todos os géneros literários, apesar de ser sempre considerada muito curta.

No momento de serem distribuídos os papéis, o acaso entra nas exigências do casting- serão tidos em conta o sobrenome, a cor da pele e dos olhos, a textura do cabelo, a simetria do perfil, a conta bancária, os metros quadrados de terra que se possuem.

Contará também o país de origem, o regime político, a renda per capita, o sistema de saúde, o acesso ao ensino, ao crédito, ao poder. (Muito poucos, contrariando esta regra de selecção, serão protagonistas devido ao seu talento.)
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São esses os elementos primordiais para que se encontre o protagonista e é ele que recebe os aplausos na boca de cena.

Os actores secundários trabalham para garantir brilho ao espectáculo.

Os outros serão meros figurantes, embora ninguém se reconheça como tal.
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Todos sonham ouvir o seu nome sobressair dos aplausos ou verem-no destacado em grandes letras nos cartazes, mas raros assumem isso.

Os papéis são escritos todos os dias e ninguém conhece o seu desfecho.
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Podem interpretar personagens diferentes em curtos espaços de tempo, conforme o exijam aqueles com quem contracenam e o próprio cenário.

Quando termina o espectáculo e ficam sozinhos no camarim, tiram a maquilhagem e têm dificuldade em se aceitar sem a caracterização.

Dificilmente conseguem definir-se com verdade, contabilizando em alta as suas qualidades e em baixa os seus defeitos.

Valorizam demais os cenários, os adereços, o guarda-roupa, a caracterização, mas não prescindem do "ponto" para não terem de memorizar textos complexos.
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Acham-se insubstituíveis, incomparáveis, a peça chave dos sucessos, mas excluem sempre qualquer culpa nos fracassos.
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Podem escolher a peça e a personagem, mas preferem deixar essa função ao Destino, para não serem responsabilizados pelas opções erradas.

No palco da vida, todos são actores mas poucos estudaram a arte de representar.

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