As Graças

Na cidade onde eu nasci, havia 4 senhoras que saíam à rua sempre juntas.
Iam à Missa, à praça, ao mercado semanal, ao café, à esplanada, enfim, a qualquer festa e reunião, sempre na companhia umas das outras.
Eram de idades muito próximas e de um nível social também idêntico.
Vestiam bem e o mesmo género de roupa, tinham a mesma modista, iam à mesma cabeleireira e faziam os penteados parecidos.
Eram educadas, ricas, respeitadas e de famílias muito tradicionais.
Os anos passavam e as senhoras continuavam solteiras e sem qualquer pretendente às suas delicadas mãos.
Apesar de muito prendadas na doçaria tradicional e conventual, habilidosas nos bordados de ponto pé de flor, grilhão e crivo, conhecedoras das mais variadas espécies de bainhas abertas, ajours e pespontos, tapeçaria de meio ponto e de Arraiolos, obras que saíam das suas mãos como se ninguém lhes tivesse tocado, (autênticas mãos de fada), nenhum homem as olhava com enlevo, com as pálpebras descaídas e o peito a arfar de suspiros.
Elas mostravam-se primorosas, delicadas, gentis, suaves, comedidas, angelicais, mas não havia um só gentil homem que as cortejasse.
Então, perante tal espectáculo de mostra e sugere, de passinhos de pintassilgo e pestanejar de actriz do cinema mudo, de chazinhos na mesa da pastelaria e limpar os cantinhos da boca sem danificar o baton encarnado, as pessoas interrogavam-se porque seria que as queridas amigas continuavam a ter de se fazer companhia umas às outras, suspirando pela companhia de alguém com a voz mais grossa, as mãos mais rudes e ainda aquilo que elas não se permitiam conhecer ao vivo, mas que lhes descontrolava o ritmo cardíaco, só de imaginar o aspecto.
Eram feias... coitadas, eram muito feias.
Mas quantas mulheres feias tinham encontrado um parceiro? Quantas?
Gordas, com bigode, quase carecas, sem dotes para a cozinha, para os bordados ou para as paciências com dois baralhos, sem talentos para esposas. Quantas? Muitas, muitíssimas.
Mas elas não tinham mesmo quem as quisesse.
Os pobres, não tinham bastante coragem e os ricos, não tinham suficiente espírito de sacrifício.
Passaram a chamar-lhes "As Graças", pois diziam que uma delas, "Nem de graça", outra, "Só por graça", outra ainda "Nem por graça" e a última "Uma desgraça".
E assim ficaram invictas as primorosas senhoras, que passavam os serões a fazer bordados a cheio e rendas finas para os altares da capela, onde o Sr Padre Coadjutor (ajudante do Prior, novo na cidade, na idade e nas práticas de perdoar os pecados por pensamentos, palavras e obras) treinava as bênçãos e os "ora pro nobis" de forma tão abnegada e de vocação tão iluminada.
O que é que tinham para afastar os cavalheiros de forma tão sistemática, nunca ninguém soube exactamente.
(Contavam que um dia as tinham ouvido comentar enlevadas."-Desde que tomamos conta do Sr. Coadjutor, ele até está mais bonitinho." E outra retorquiu "-Sim, e a pele mais luzidia". Logo outra atalhou "-E mais sorridente!". Por fim, a última rematou com entusiasmo "-E mais pesadinho, mais pesadinho!"Claro, que estas eram más linguas...)

3 comentários:

Rafeiro Perfumado disse...

Eram possivelmente daquelas senhoras que tinham uma grande beleza interior. Infelizmente a técnica de andar do avesso ainda está pouco desenvolvida... ;)

Beijoca!

nuno medon disse...

Olá! Gostei do texto...pena serem 4 senhoras, porque se fossem 4 senhores, na descrição que tu fizeste, um deles já dava para teu noivo...lolololololo...se bem que mereces um noivo bonito e bem conservado! **

EFA AE 1012 disse...

DeliciOOOso!
Bjs.
ana