ANO NOVO

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Novo Ano se aproxima e constantemente ouvimos os votos de amigos e conhecidos para mais uma contagem de calendário, que porque apenas recomeça, traz esperança de felicidade.
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Os votos repetem-se e pouco variam - Saúde, Amor, Dinheiro e Paz. Só vai mudando a ordem conforme a importância que cada um lhes dá.
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Eu, como tive o meu neto pequenino doente e internado no hospital, tenho pensado muito na saúde, mas na saúde das crianças. Penso nelas de forma dorida, penso no pior que lhes acontece todos os dias e pergunto-me alarmada para onde está a evoluir a sensibilidade dos homens.
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Quando vemos as notícias parece que tudo é muito longe de nós e que nada tem a ver connosco. Às vezes, olhamos tão indiferentes para as catástrofes relatadas, como se tudo estivesse a acontecer num filme, produto de montagem, ou noutro planeta onde os seres nos são desconhecidos.
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A Fome. A fome, que é tanta e de tanto tempo, que mata.
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Uma das medidas de tratamento do meu neto no hospital D.Estefânia em Lisboa, foi a redução ao máximo dos alimentos. Assim, ele que já tomava a dose de 210 de leite no seu biberon, passou a receber apenas 90. Os seus gritos e os olhos suplicantes a seguirem o biberon, faziam-nos tanto mal que não pude deixar de pensar no que se passa em tantos lugares do Mundo em que se morre de fome.
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Lembrei-me das imagens das crianças de Bogotá, com 4 ou 5 anos no máximo, que às dezenas se escondem nos esgotos da cidade para fugirem aos esquadrões da morte, que as assassinam porque roubam uma peça de fruta ou um pacote de biscoitos.
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Também em África, vinga a fome que não deixa medrar, que definha, que torna vidrados os olhos dos adultos e tira o choro às crianças.
Nos dias que passei com os meus filhos no Hospital D. Estefânia, esperando voltar a ver o pequeno Tomás com saúde, soube da existência de crianças no sector ao lado, que tinham sido vítimas de maus tratos atrozes. "De doer o coração" dizia-me a enfermeira.
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A Violência. A violência do gesto, da agressão, da dor, da mutilação, da palavra, do abandono.
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Parece que tudo acontece em países distantes e com pouca relação com a nossa vida... mas ali estavam, bem perto de mim, crianças que tinham sido agredidas, violentadas e abandonadas no hospital que as tentava salvar.
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A Guerra. Crianças que têm de acompanhar os pais durante infindáveis caminhos para fugirem à morte, que vêm cair ali ao lado, em mares de destroços e sangue e têm de fugir, sem saber porquê, para onde e com quem, perdidas entre o terror e o cheiro da morte.
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A Doença. Quantas morrem de doenças que uma simples vacina evitaria?
O acesso a medicamentos, a médicos, a tratamentos, a vacinas, a cuidados de saúde é um luxo. A ciência descobre maravilhas na área da prevenção de doenças e no seu tratamento, no entanto grande parte da humanidade não tem como usufruir delas.
Não têm vacinas, não têm esgotos, não têm água, não têm lugar na vida que o dinheiro compra.
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O Abandono.Seres que se têm como invisíveis, porque ninguém os vê, por mais que olhem para as suas mãos, para os seus sinais, para os seus gestos. Não têm forma, tamanho ou voz. Ninguém sente o seu frio, a sua dor, o seu pânico, a sua tristeza, o seu olhar, o seu respirar, o seu desistir.
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A Escravidão.Pequenas mãos que trabalham em minas, em carvão, em pedra, em lixeiras, em poços, em túneis.
São mal alimentados, espancados, humilhados e ignorados como seres humanos. Pequenas criaturas tristes e indiferentes, que se habituaram a obedecer por medo e a suportar tudo porque não sabem como não o fazer. Quem tenta, encontra pior ainda!
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A Pedofilia. A vergonha, a vergonha! A vergonha de violar a alma de uma criança através da violação do seu corpo!
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Penso nas crianças que sofrem, porque me enchem o coração os seus risos, os seus abraços, as suas lenga-lengas, os seus jogos. Porque segurar na mão da minha neta, me dá força e coragem. Porque o vê-la dormir sossegada, o ouvi-la falar com as bonecas no seu quarto, o vê-la rir maravilhada com os desenhos animados, o acompanhá-la nos trabalhos da escola e assistir ao seu crescimento, me faz sentir mais humana e ter pena dos adultos que esbanjam tanto e vivem tão virados para si e para os seus bens, que perdem a sensação maravilhosa de ajudar uma criança a crescer.
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Neste Ano Novo desejo que o muito que uns desperdiçam ou não utilizam, chegue às crianças que vivem em esgotos, que se drogam nas ruas, que vasculham lixeiras, que partem pedra ou carregam carvão, que são agredidas, ignoradas e abandonadas, que sobrevivem em campos de refugiados, que não aprenderam a ler, a escrever, a jogar ou sequer a rir, de forma a que cada um de nós sinta que minorou o sofrimento de uma criança e fez dela um melhor ser humano .
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Que o sofrimento das crianças, não nos deixe indiferentes, principalmente por comodismo."Ah, aquilo é no Dafur! Nem sei onde fica..." "Em Bogotá? Isso é tão longe!"
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Que o meu supérfluo seja o tesouro de uma delas.
Uma apenas.
Uma que deixe de ser invisível.
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Bom Ano Novo para os homens de boa vontade.

1 comentário:

Anónimo disse...

O Mundo está doent, tem tantas maleitas!... Gostaria de participar a ajudar a construir um mundo melhor e tento faz~e-lo todos os dias. mas sinto-me tão sozinha....
As pessoas andam tão envolvidas em guerrinhas... que não se apercebem que às vezes basta apenas um sorriso, uma palavra de esperança.
Bem hajam aqueles que tem pequenos gestos de dar aos outros um pouco e si.