Olhar no espelho

Todos começam 2009 a cumprimentar os familiares e amigos, desejando-lhes um Bom Ano Novo.
Acredito que a maioria é sincera. Mas estou certa que muitos o farão por simples cortesia, utilizando a frase feita, sem pensar, porque é costume, porque faz parte.
E até me resigno com essa ideia, mas fico sempre a pensar.
Desejam que todos sejam felizes, mas ficam-se por isso mesmo, por formular mecanicamente a frase, esperando que só pelo facto de recomeçar a contagem do ano, das estações, dos solestícios e equinócios, das luas cheias e novas, a felicidade chegue e os males acabem.
Eu, incluída.
Embora pense nos sem abrigo, nestas noites tão frias, nunca saí a levar um cobertor a um deles.
Embora me lembre dos doentes internados longe das suas casas, os que são submetidos a tratamentos dolorosos ou que estejam sem forças, sem alegria, sem esperança, nunca visitei nenhum, nestes dias de festa.
Mesmo sabendo que há crianças que sofrem com fome, frio, desamparo e agressões de toda a ordem, nunca socorri, alimentei, amparei ou protegi, senão os meus.
Conhecendo lares de idosos não distantes de onde vivo, nunca minorei a solidão dos que passam os dias todos iguais, nunca lhes ofereci a minha atenção, nunca me dispûs a ouvir as suas histórias, a adoçar-lhes a boca com um caramelo, a escolher uma música alegre para os distrair, a levá-los no meu carro a passear pela rua das montras para verem as luzes de Natal, a ver o mar numa tarde menos cinzenta, a fazê-los rir com uma anedota maliciosa.
Sei que há quem sofra violência doméstica, na maior angústia da vergonha, do silêncio e da revolta, que há quem tenha perdido o emprego e com ele a esperança e a alegria, quem esteja dependente de escravaturas veladas, como a incapacidade de se libertar de um amor frustrante, de uma ligação humilhante, de uma dependência que lhes nega a dignidade e a auto estima, mas nunca me lembro de pedir por eles nas minhas orações.
Ano Novo, para quem? Ano Novo porquê? Novo em quê?
Entre os meus livros, filmes e discos, nas minhas idas ao café, ao supermercado, ao cinema, nas minhas comodidades, sempre tão presentes que nem lhes noto a existência, na banalidade de rodar o botão para ter água quente, para acender a luz, ligar o aquecimento, que nem me lembro do incómodo que seria se não funcionassem, no colocar comida no prato em gesto habitual, no deitar na cama macia, sem novidade, esqueço o que não sofro, ignoro o não me falta, desprezo o que me provoca desconforto.
Aborrece-me o condutor da frente que pára o trânsito sem razão, o vizinho que chega tarde a casa e faz barulho, a chuva que cai há 3 dias, os 80 canais da TV que transmitem o que não me apetece ver.
Bom Ano, desejamos aos outros, continuando a pensar apenas em nós.
Melhor seria que passássemos a dizer: " Bom Ano para mim"

3 comentários:

nuno medon disse...

Olá! Concordo em tudo o que escreveste e deixei-te um recado no msn. Bem vinda de volta! Já estava com saudades tuas :)! Um abraço apertado e ******

nuno medon disse...

Olá! Obrigado pelo carinho que me dás sempre, por me ouvires ( neste caso ler ) e pelos conselhos que me dás. Adoro-te!!! ********* [][] Beijos miga e bom sábado!

Eduarda Henriques disse...

Obrigada por mais esta mensagem. Fez-me bem a sua leitura.Na verdade em que pensamos nós? sempre no próprio eu, e muitas vezes estragamos tudo ao olhar sempre e só para o proprio umbigo, Estragagamos a tal quadra de Paz e Amor,porque ficamos um pouco à margem daqueles com quem gostaríamos de passar estes dias, e afinal, estava tanta gente à nossa espera.
Um Beijo e desejo que continue a dar-nos bons momentos de leitura.