Gentileza com uma mamã!

Ao ler um artigo sobre a falta de civismo dos portugueses, lembrei-me dum episódio engraçado que se passou comigo, quando estava grávida da minha filha.
Costumava ir de autocarro para o meu trabalho, atravessando uma zona de Lisboa muito movimentada.
As pessoas apertavam-se nos transportes públicos, sendo penoso para todos aquele percurso de pára/arranca, que atirava uns contra os outros, fazendo dores musculares nas pernas para se equilibrarem em pé.
Eu estava no fim da gravidez e já bastante "barril", embora me mexesse muito bem.
Entrei no autocarro cheio e ninguém me deu o lugar. Fiquei em pé, perto do motorista, que quando viu a minha barrigona me perguntou, pelo espelho retrovisor, se eu queria sentar-me.
Eu respondi que não valia a pena, pois sairia daí a 3 ou 4 paragens.
Não houve troca de muitas palavras, apenas de alguns gestos e com a azáfama das entradas e saídas, aquele comentário ficou apenas entre nós dois.
Eu agarrava-me, com quanta força tinha, ao varão perto da porta e mesmo assim era projectada 2 passos para a frente e para trás em cada travagem.
A dada altura, uma pessoa lembrou-se de dizer :
-Há uns lugares reservados para as grávidas, não vêem que a senhora pode bater com a barriguinha ou desequilibrar-se e cair?
Os que ocupavam os lugares destinados a casos como o meu, faziam-se distraídos.
-Se está com pena da senhora, dê-lhe o seu lugar-dizia um homem que ia noutro banco.
-Olha o parvo! Quem lhe pediu opinião? Não vê ali a placa a dizer a quem se devem dar aqueles lugares? Aqueles lugares são para pessoas como esta senhora. Não sabe ler?
-Parva é você! Querem lá ver! Então se está com pena da senhora, levante o rabo e dê-lhe o seu lugar. Coitadas das mulheres da cidade!!! Na minha terra, vão trabalhar para o campo até à hora de terem os filhos e não morrem. No dia seguinte já estão finas.
-Você é um bronco das berças. Que matarroano... Então não vê o perigo que é uma pancada com a barriga no varão?É bronco e estúpido... e mal educado, por se meter nas conversas alheias.
-Você é que é bronca. Está-me a ofender, sua ordinária.
-Ordinária é a sua mãe!
-Ele tem razão, dizia outro, há mulheres que se fartam de trabalhar até ao momento de terem os filhos e têem os garotos na mesma. Estas aqui são muito finas!
-E que tem isso a ver com o que se está aqui a passar? Não vêm o perigo? Cambada de anormais!
-É isso mesmo. Esta cambada que não respeita nada nem ninguém havia de ser posta dos autocarros para fora. Mas só aparecem os fiscais quando não são precisos-apoiava outra mais lá atrás.
-Mas quais cambada, quais quê! Você é muito respeitadora, é... levantar esse traseiro do banco, é que está quieto! Um gajo vê cada uma!
-Olhem para este alarveirão, está habituado a tratar a mulher como se fosse uma mula.
Eu estava calada, o motorista, sempre atento ao trânsito, olhava para mim de vez em quando, mas continuava sem dizer nada e os que iam nos lugares reservados, calados iam.
Todo o restante autocarro era uma guerra de palavras, um arremeço de ofensas e insultos, um subir de tom a cada frase, já não se entendendo nada do que diziam, tal era a gritaria. A cada minuto os "piropos" eram mais criativos e acompanhados de "gafanhotos" que saltavam das bocas a espumar de raiva.
Eu vi que se aproximava a minha paragem e toquei a avisar o motorista. Ele parou e abriu a porta. Eu saí. Ele sorriu e abanou a cabeça, discordando da escaramuça que continuava a crescer lá dentro.
Já o autocarro ía ao fundo da rua e ainda eu via os passageiros gesticular e crescer uns para os outros, em promessa de empurrões, socos e pontapés.
Na rua em que caminhava, as pessoas admiravam-se de me ver rir, indo sozinha.
De certo pensavam que eu estava louca!

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