Nós e... os outros!



400 Milhões de crianças passam fome.
4 Milhões de pessoas morreram de fome no último ano.
1,3 Biliões de pessoas não têm acesso a água potável.


Há números idênticos para povoações sem saneamento básico, sem acesso à saúde e que morrem com doenças que uma simples vacina previne.
Para povos que são escravizados, que sobrevivem de trabalhos degradantes, que utilizam a mão-de-obra das suas crianças.
Para pessoas que são agredidas, abandonadas, marginalizadas, violentadas ou perseguidas devido às suas opções políticas, religiosas ou sexuais.
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Todos esses números perdem importância quando temos tudo.
Quando temos tudo, passamos a preocupar-nos com a moda. E para estarmos na moda temos de ser altos, magros, bonitos, jovens e ricos.
Somos avaliados pelo que possuimos e pelo que parecemos.
Temos de medir, pelo menos, 1,70 m de altura, senão vemo-nos obrigados a usar saltos de 10 cm, plataformas com 2 ou 3 cm, roupas que alonguem o tronco ou as pernas, conforme a necessidade.
Temos de ser esqueléticos, com as maçãs do rosto salientes, as costelas debulhadas, os dedos finos que nem linhas e as unhas bem limadas, transparentes como vidro.Dieta é a palavra de ordem.
Não porque o açúcar provoca diabetes, a gordura origina colesterol… mas porque qualquer grama a mais, é mal aceite pela sociedade. A gordura é desleixo, falta de brio, de força de vontade, gula, lambança. Estar de dieta é sinal de lucidez.

Também devemos fazer exercício, muito exercício. Não a lavar o chão da nossa casa de banho, o fundo da nossa banheira, não a passar a ferro ou a encerar os móveis, não a cultivar uma horta ou a cuidar do jardim, que para isso há as empregadas, os jardineiros.

Devemos frequentar o ginásio, com treinador que saiba medir a massa muscular, as pulsações cardíacas e que trate por tu as calorias.Não é só suar e emagrecer… é ficar rijo, liso, simétrico.

Se emagrecermos em partes do corpo que queremos mais salientes, podemos fazer implantes… Também podemos esticar a pele, suprimir o duplo queixo, subir as sobrancelhas, tirar os papos dos olhos, encher os lábios, adelgaçar a cintura, aumentar ou diminuir os seios, empinar as nádegas e até voltar a ser virgem... porque não?

Os cabelos tomam a cor que diga bem com a roupa, com a estação do ano, com a estreia do filme a que vamos assistir. Tão depressa podem ser curtos como chegar à cintura.

Cabelos, pestanas, unhas... como quisermos, à hora que o decidirmos. A Natureza já não tem lógica.Tudo se pode alterar numa clínica de estética. A lógica está no que a moda dita e ela exige que continuemos eternamente jovens. Para isso, fazemos tudo, tudo. Não temos filhos, arranjamos namorados cada vez mais novos, vestimos o que foi assinado por estilista bem excêntrico, utilizamos linguagem incompreensível e temos assinatura anual para concertos e festivais.
É obrigatório viajar várias vezes por ano, para destinos cada vez mais distantes e falar disso com a naturalidade de quem vai à Costa da Caparica... Como ser considerado sem fazer um cruzeiro ? Como ser respeitado sem ir ao Brasil, à Riviera Maia ou a Cancun?
Claro que temos de ser ricos. Ou pelo menos, parecê-lo. (É para isso que servem os créditos bancários. ) Mas devemos mostrar sempre desprezo pelo custo da moda.
Conhecemos bem a fome. Fome, mas fome a sério… Então e a fome que passamos para não engordar?

Fazem alarido porque lavamos os nossos carros, regamos os nossos revaldos, usamos os nossos jacuzis, aproveitamos as nossas piscinas? Até parece que utilizamos água mineral...

Ora, a vida é só uma e temos de a aproveitar. É mórbido pensar em fome, guerra, doença, abusos, sei lá, quando vendemos saúde e só desejamos ver-nos livres de alguma gordura ou de umas primeiras rugas. Claro que temos de olhar para o espelho, para as revistas e para as montras… Desigualdades? Não fomos nós que as fizemos...
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Mais alguns números: Uma caixa de 750 g de ovas de esturjão, o conhecido caviar, custa 3.600 Euros e é consumido como aperitivo num jantar para 16 pessoas.

A pele de crocodilo é vendida para fazer sapatos, cintos, malas ou vestidos a 20 Euros cada centímetro.

A Hermés, em Paris, vende um vestido nessa pele por 150.000 Euros e uma mala por 12.000 Euros.
Todos os anos, 150 milhões de telemóveis são trocados por outros mais modernos.
Foi vendido hoje, em leilão, um quadro de pintura contemporânea por 65 milhões de dólares...
Vivemos tempos em que a futilidade é soberana.

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