Velhice

Detestarei ser convidada a participar nos almoços de confraternização de idosos, em que servem pratos cheios de comida toda misturada, encavalitadas as couves na posta de bacalhau e estes nas batatas aos montes, garrafas de refrigerante de litro e meio como pilares berrantes de corantes no centro da mesa e travessas de arroz doce enfeitado com corações de canela. Almocinhos que terminam com canções de letras brejeiras, em altos gritos, bailarico de velhotas a dançar umas com as outras, com rodas e filas em que os mais novos vão buscar os idosos, falando-lhes como se fala a crianças, sorrindo da sua própria boa vontade em alegrar os tristes, em que mandam bater palminhas e dão risadas sem justificação, querendo alegrar à força o convívio sem alegria, de desconhecidos, que apenas se identificam pela idade, pelos muitos anos que já viveram. Deixem-me ficar no meu canto, no meio das minhas coisas, a ouvir baixinho a minha música, a ler sossegada os meus livros, a comer a torrada habitual e a beber o chá mesmo que já morno, às voltas com as minhas lembranças incompletas, com os meus sonhos e os meus medos, mesmo que isso pareça solitário, ou solidão, ou abandono, ou mania, ou teimosia. Detestarei ser velha, mas muito mais ser tratada como coitadinha e tontinha.

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